SUMÁRIO

1 – Introdução

2 – Eixo 1: Impactos da competição tecnológica entre EUA-China

2.1 – Produção estadunidense no setor de semicondutores

2.2 – O Belt and Road Initiative chinês na América Latina: o Porto de Chancay no Peru

3 – Eixo 2: BRICs e bancos de desenvolvimento

3.1 – BRICS Coin – a moeda dos BRICS

3.2 – BRICS e o Novo Banco de Desenvolvimento. Uma análise do caso brasileiro envolvendo os “Correios” e seus impactos.

4 – Eixo 3: Economia Política da Guerra da Ucrânia

4.1 – O Desengajamento Ocidental na Guerra da Ucrânia

4. 2 – Os efeitos econômicos da Guerra

4.3 – As consequências da Guerra à Europa

4.4 – A ineficácia das sanções à Rússia

3.5 – A importância da ajuda econômica internacional à Ucrânia 

3.6 – As implicações da Guerra da Ucrânia ao projeto geopolítico chinês na Ásia

Introdução

O presente relatório, dentro dos seus três eixos temáticas, busca versar sobre o panorama internacional e dinâmicas contemporâneas envolvendo os Estados Unidos, a República Popular da China e os BRICS. A abordagem realizada – multidisciplinar e multifacetada – busca, através de investigações sistematizadas sobre o tema, apresentar diferentes panoramas e pontos de vista sobre esses objetos de estudo.

As produções, aqui disponibilizadas, foram feitas sob o bojo Observatório de Economia Política Internacional, compostos por estudantes de graduação de Ciências Econômicas e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Essas atividades de cunho exploratório e analítico foram tutoradas pelo professor titular, da respectiva universidade, Filipe Almeida do Prado Mendonça.

Eixo 1: Impactos da competição tecnológica entre EUA-China

1.1 Produção estadunidense no setor de semicondutores

Autor: Flávio Henrique, Francinne Willon e Laura Schanuel

Data de publicação: 02/04/2024

Revisor: Júlia Pirani e Richard Rodrigues

I. Produção estadunidense no setor de semicondutores

Os Estados Unidos da América (EUA) têm realizado investimentos bilionários em sua indústria de semicondutores com o objetivo de diminuir a dependência externa, além de tentar conter a influência chinesa em território nacional. É possível observar, nos últimos anos, uma “guerra dos chips” entre EUA e China. Este informa busca trazer atualizações recentes sobre como está o andamento dessa disputa tecnológica entre a potência mundial estadunidense e o gigante asiático e os impactos desta para as economias nacionais e internacionais. 

O chip semicondutor nasce a partir das tensões envoltas entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), no período histórico chamado de “Guerra Fria”. A tecnologia dos chips desempenhou papel crucial no desenvolvimento tecnológico, bélico, aeroespacial e de bens de consumo duráveis, possibilitando uma enorme transformação na vida do homem moderno, na fase que ficou marcada como a “década de ouro do capitalismo”. Tal invenção tornou os EUA pioneiros, o que lhes renderam um alto poder de barganha diante os outros Estados que não reproduziram o aparato técnico-científico capaz de desenvolver tal tecnologia, ficando para trás no quesito inovação. Dessa forma, os EUA se estabelecem ainda mais como uma economia pujante, elencada potencialmente pelas suas empresas de tecnologia. 

Após o fim da Guerra Fria em 1991, no entanto, que significou o fim da bipolaridade internacional, o mundo passou por uma grande transformação nas áreas de geopolítica, economia e política, trazendo novos atores para compor uma nova ordem mundial multipolar. Então, países como Japão, Coreia Do Sul, Taiwan, China e Malásia passaram a crescer significativamente em termos de desenvolvimento tecnológico, o que significou certa ameaça ao destaque absoluto apresentado até então pelos Estados Unidos, já que o país passou a contar com o crescimento exponencial de competidores. Na movimentação de manter sua influência e liderança na produção, pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, o país norte-americano, nos últimos anos, usa de estratégias diplomáticas em uma política de “boa vizinhança” com aliados a fim de salvaguardar seus interesses, delimitar seus objetivos e difundir sua legitimidade, especialmente nesse setor produtivo.

II. Competição tecnológica com a China

Na virada do milênio, a supremacia estadunidense começa a ser ameaçada pelo país que dez anos antes pensaria-se como impossível de realizar tal feito: a China. Por conta dos longos anos que seriam necessários e investidos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o país asiático já era fruto dos Planos Quinquenais desenvolvidos por Deng Xiaoping a partir de 1978. A China passou a crescer de forma veemente e o seu principal combustível foram os produtos baseados em tecnologia. Nesse sentido, os chips semicondutores se tornaram peça-chave como forma de exercício de poder, em que se leva em conta que, quando uma nação se tem expertise no desenvolvimento e produção de um chip, esta agrega a si mesma um forte aparato tecnológico e produtivo, permitindo o uso de tal tecnologia em produtos de alto valor agregado. 

Diante de tal ótica, a partir dos anos 2010, a China transformou-se no maior competidor na área de exportação de produtos tecnológicos manufaturados, fazendo frente aos EUA que passaram a temer ainda mais o poderio econômico chinês. Todavia, a narrativa adotada pelos norte-americanos aponta que a China fabrica e comercializa produtos tecnológicos com design industrial estadunidense, ou seja, a manufatura é chinesa porém o desenvolvimento tecnológico era americano. Este fator envolve disputas quanto à propriedade intelectual. 

Os dois países seguiram sendo a primeira (EUA) e a segunda (RPC) economias globais de maior destaque até o ano de 2018. Neste período, o presidente dos Estados Unidos da época, Donald Trump, criou uma série de medidas para assegurar a economia do seu país frente à China, especialmente no âmbito comercial. Foram aplicadas uma série de sanções econômicas,  o que provocou forte turbulência nas empresas chinesas que fabricam semicondutores, como a Hsilicon, braço da Huawei na produção de chips, e a Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC), sendo essa a maior produtora estatal de chips em solo chinês. Tais medidas econômicas causaram desequilíbrio na produção e autonomia chinesas em P&D e autossuficiência no que tange a produção de chips, ficando um passo atrás em relação aos Estados Unidos. 

III. A resposta estadunidense: A lei “Chips and Science act” de 2022

Continuamente, a conduta protecionista que os Estados Unidos vêm adotando nos últimos anos trouxe ainda mais a ideia de que serão evitadas as relações comerciais com os países asiáticos, sendo a Lei CHIPS e Ciência, de julho de 2022, um exemplo de uma ação tomada pelos EUA que demonstra essa preferência de parceiros comerciais. Essa lei tem como objetivo retomar a produção de semicondutores e tirar o atual foco dessa produção na Ásia, através de inúmeros investimentos (como os aqui citados) e incentivos, que atrairiam os principais fabricantes de semicondutores. 

Desde que a lei CHIPS foi anunciada no Congresso Nacional dos EUA, já foram realizados mais de $250 bilhões de investimentos privados em 22 estados, o que projetou a criação de 45 mil empregos, além de outras centenas de suporte para outras áreas, fomentando a economia estadunidense. O plano de investimento inicial da lei CHIPS nos EUA, em meados de 2020, era de US$54,2 bilhões, como mostra o gráfico abaixo. Atualmente, o valor investido já é cinco vezes maior do que o projeto inicial, o que gera reflexos positivos na economia norte-americana em investimentos, emprego e renda nacional. 

Infográfico 1 – Plano de investimento do Chips & Science Act

IV. Alta competição internacional na produção de semicondutores

É possível, no entanto, que há um declínio constante dos Estados Unidos na produção de semicondutores desde o ano 2000, dado que contrasta com as últimas movimentações políticas, que, de acordo com Semiconductor Industry Association, aumentaram-se, desde 2020, o número de novos projetos tecnológicos, o número de expansão de instalações no país, bem como o esforço de pesquisa em desenvolvimento, design de chips, fabricação de semicondutores e equipamentos de fabricação e suprimentos. A queda da presença estadunidense no mercado de semicondutores, que já decaia em 19% em 2000, caiu somente para 12% no ano de 2020, no entanto. É difícil ter uma noção completa dos resultados provenientes da Lei dos CHIPS, já que sua aplicação é muito recente. Porém, é válido dizer que o controle realizado nas exportações dos Estados Unidos com relação a esses semicondutores afetaram completamente a indústria, tendo em vista que limitou, de certa forma, a fabricação chinesa, sua principal competidora. 

Essa indústria teve Taiwan como sua principal nação produtora em tempos recentes, e a China, nos últimos anos, tem se empenhado em aumentar sua posição dentro dessa “corrida”. Os Estados Unidos e a Lei dos CHIPS precisam enfrentar alguns fatores que dificultam, de certa maneira, que o país se torne o principal e mais importante produtor da cadeia global atual, tendo em vista, por exemplo, que para serem produzidos nos EUA, os custos seriam pelo menos 50% maiores. Isso é observado quando se leva em consideração as leis trabalhistas diferenciadas entre Taiwan (o maior produtor) e os Estados Unidos, como foi dito pelo ex-presidente e CEO da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), desconsiderando esse mesmo fator na China. 

Imagem 1 – Desempenho nacional na produção de Chips semicondutores

Fonte: Citi group, 2024

(Lado esquerdo: “A grande corrida do Chip” – Taiwan lidera a corrida pela produção global de semicondutores. A Coreia do Sul é o próximo competidor, com atraso de seis meses, e os EUA estão há dois anos atrasados. Lado direito: “A diminuição da quota de Taiwan” – Na medida em que outros países entram no mercado de semicondutores, a quota de Taiwan na fundição avançada mundial é projetada a declinar de 88% para 74% nos próximos cinco anos, e para 70% no ano de 2033.)

É visível que o investimento estadunidense é uma resposta a essa concentração regional no fornecimento de semicondutores e, por isso, é importante pensar em respostas à Lei dos CHIPS. A União Européia, Taiwan, Coreia do Sul e Japão já “atualizaram” seus próprios programas. Em 2022, foi lançada a Lei Europeia dos Chips. Já em 2023, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company iniciou planos de construir uma fábrica de US$11 bilhões na Alemanha. O Reino Unido também anunciou a sua própria resposta, um programa de 20 anos para a sua indústria de semicondutores, uma reação à noção de que não teria subsídios o suficiente para competir com os EUA e as outras empresas europeias e asiáticas. Esse movimento global na produção de semicondutores preocupa os envolvidos de uma possível excessividade de produção e queda nos preços dos semicondutores. Dessa forma, é possível interpretar como uma solução estadunidense para essas questões a “Lei de Redução da Inflação”, também aprovada em 2022, que concede benefícios aos compradores de carros elétricos montados nos Estados Unidos. Essa realidade — além da exigência indireta dos EUA, com a Lei CHIPS, da redução da presença chinesa na cadeias de abastecimento (o maior fornecedor de silício) — revela uma ameaça aos produtores asiáticos.

V. Referências

GUERRA dos chips: por que os semicondutores bloqueiam a relação entre Estados Unidos e China. Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/630320-guerra-dos-chips-por-que-os-semicondutores-bloqueiam-a-relacao-entre-estados-unidos-e-china.  Acesso em: 17 de março de 2024. 

MILLER, chris. Guerra dos chips: A luta pela tecnologia que move o mundo. são paulo: techbooks 2020. 

LOVELY, Mary. US CHIPS Act threatens to hollow out Asian semiconductor industry. EASTASIAFORUM. 26 nov. de 2023. Disponível em: https://eastasiaforum.org/2023/11/26/us-chips-act-threatens-to-hollow-out-asian-semiconductor-industry/. Acesso em: 16 de Março de 2024

PRESIDENT Biden Highlights Importance of Strong U.S. Semiconductor Supply Chains During State of the Union Address. Semiconductor Industry Association. 7 mar. de 2024. Disponível em: https://www.semiconductors.org/president-biden-highlights-importance-of-strong-u-s-semiconductor-supply-chains-during-state-of-the-union-address/. Acesso em: 15 de Março de 2024THE U.S.-China Chip War: Who Dares to Win?. Citi Group. 2 jan. de 2024. Disponível em: https://www.citigroup.com/global/insights/global-insights/the-u-s-china-chip-war-who-dares-to-win. Acesso em: 16 de Março de 2024




Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: flavio.da@ufu.br

Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato: francinne.willon@outlook.com.

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: lauramariaschanuel@gmail.com


1.2 O Belt and Road Initiative chinês na América Latina: o Porto de Chancay no Peru

Autoras: Bárbara Beneti Poloni e Julia Pirani Cabral
Data: 10/04/2024

Revisor: Richard Rodrigues

I. Belt and Road Initiative (BRI)

A Belt and Road Initiative (BRI) ou Nova Rota da Seda foi um projeto lançado em 2013 como parte da política externa da República Popular da China (RPC) sob a liderança do Presidente Xi Jinping. A BRI  inclui uma série de programas de investimento em infraestrutura e promoção da integração econômica nos países parceiros. Internamente, a iniciativa é vista como uma forma de legitimação do Partido Comunista Chinês e do Presidente Xi. Internacionalmente, a BRI é apresentada como uma cooperação vantajosa e benéfica para a China e seus parceiros, visando promover a multipolaridade, a globalização econômica e a diversificação cultural. 

O projeto possui cinco objetivos principais: a coordenação de políticas, a conectividade de infraestruturas, o livre-comércio, a integração financeira e a conexão entre pessoas. São vários os meios através dos quais se estrutura o objetivo de conectividade das infraestruturas: ferrovias, rodovias, transporte marítimo, aviação, oleodutos e uma rede informática e aeroespacial integrada. Atualmente, 145 países são participantes, o que tem sido objeto de intenso debate, com seus apoiadores destacando os benefícios econômicos, enquanto seus críticos questionam a falta de transparência, os impactos ambientais, o risco de endividamento insustentável e a suposta ameaça à hegemonia ocidental.

A América Latina não estava, inicialmente, incluída na Belt and Road Initiative da China, o que gerou preocupações sobre a possibilidade da região ser negligenciada. No entanto, em 2017, o presidente chinês Xi Jinping descreveu a América Latina como uma extensão natural da Rota da Seda Marítima do Século XXI, demonstrando o interesse chinês de estreitar os laços com a região. Em seguida, em 2018, no Fórum China-CEPAL em Santiago, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês convidou os países latino-americanos a participar da iniciativa e foi assinada uma Special Declaration on the Belt and Road Initiative. Vários países latino-americanos se envolveram com a BRI, assinando memorandos de entendimento (MOUs) com a China. O Panamá foi o primeiro país da região a estabelecer relações diplomáticas com a China e assinar o MOU com a BRI em 2017. Desde então, outros países como Argentina, Antígua e Barbuda, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Granada, Guiana, Peru, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela também assinaram acordos com a China. No entanto, 13 países da América Latina e do Caribe (ALC) ainda não assinaram acordos, incluindo o Brasil, o México e a Colômbia.

II. Investimento chinês na América Latina ao longo das últimas duas décadas

A China superou os Estados Unidos no comércio com a América do Sul e Central durante o mandato de Trump. Apesar dos esforços para reverter essa tendência, a diferença tem aumentado sob a presidência de Biden. As autoridades americanas agora argumentam que oferecem à região mais do que apenas comércio, destacando o investimento em indústrias de alta tecnologia. Enquanto isso, o governo chinês afirma que o comércio e o investimento na América Latina são mutuamente benéficos, para a China e para os países com os quais mantém relações – principalmente da Iniciativa do Cinturão e Rota.

Gráfico 1 – Investimento chinês na América Latina

Tradução: A Ascensão da China na América Latina. Os investimentos chineses na América Latina tem em média acima de US$15 bilhões por ano desde o pico de 2010, com portos, produção de energia e rede de transporte. Média anual do nível do investimento chinês desde 2010 na América Latina.

Gráfico 2 – Comparativo do comercio entre China e EUA

Tradução: EUA vs China: trocando de lugares. O comércio chinês com a América do Sul e a América Central ultrapassou os Estados Unidos nos últimos anos e a lacuna demonstra poucos sinais de estreitamento, um desafio para a Casa Branca de Joe Biden como parece a fim de melhorar os laços com a região. A mudança é conduzida, especialmente, pelos recursos ricos da América do Sul. Total comércio com a China. Total comércio com os EUA.

III. O Porto de Chancay

O comércio entre o Peru e a China aumentou para 33 bilhões de dólares em 2022, impulsionado pela demanda chinesa por cobre peruano. Enquanto isso, os investimentos chineses no Peru somam cerca de 24 bilhões de dólares, abrangendo setores como mineração, energia e transporte. As exportações para a China estão crescendo mais rápido do que para os EUA, resultando em um superávit comercial de 9,4 bilhões de dólares com a China e um déficit de 1,3 bilhões de dólares com os EUA. O gráfico abaixo demonstra crescente diferença de números no que tange o comércio Peru-EUA e Peru-China:

Gráfico 3 – Participação chinesa e estadunidense no comercio peruano

Tradução: Peru: EUA vs China. Ao longo da última década a China tem ultrapassado os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Peru, devorando o principal produto de exportação do país, o cobre, e agora consolidando essa liderança.

Parte dos projetos da Belt and Road Initiative, o mega Porto de Chancay no Peru teve sua construção iniciada em 2018, está com a primeira fase da obra prevista para finalização em novembro de 2024, no Distrito de Chancay, a 75 km de Lima. Ele é o exemplo da consolidação da posição chinesa no Peru, considerado um impulso para o livre comércio e novos investimentos chineses. De acordo com a reportagem da Reuters, Xi Jinping está com visita marcada ao país neste mês para o encontro da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), o que pode culminar na inauguração do Porto. O projeto faz parte da Nova Rota da Seda chinesa, contabilizando cerca de 3,6 bilhões de dólares em investimentos totais, com a estatal chinesa Cosco Shipping possuindo 60% de participação no financiamento (Reuters, 2024).

Imagem 1 – Projeto do porto de Chancay

Fonte: BBC, 2023

Acima está o mapa do projeto do megaporto. O objetivo principal da construção é otimizar as exportações peruanas e brasileiras diretamente para a China, visto que o Brasil utiliza o Canal do Panamá ou contorna o Atlântico para que a soja chegue à nação asiática. O embaixador brasileiro no Peru, Clemente Baena Soares chegou a declarar que, além da grande expectativa acerca de não necessitar mais do Canal do Panamá, o Brasil precisará direcionar investimento à – já existente – Autoestrada Interoceânica, que liga o sul do Peru ao Brasil através dos Andes, para melhorar a rota de transporte. O novo porto é a encarnação do desafio que os Estados Unidos e a Europa enfrentam ao tentarem contrariar a influência crescente da China na América Latina. A conexão “Xangai-Chancay” criada pelo megaprojeto é mais um motivo de preocupação aos Estados Unidos, pois além de influência, demonstra o estreitamento cada vez mais forte de laços comerciais de Pequim com os países da América do Sul.

IV. América do Sul: quintal dos EUA?

O secretário de Estado John Kerry fez um discurso sobre a importância da América do Sul, para isso, ele utilizou o termo “backyard”, que significa, em termos práticos, quintal. Kerry disse que a região é o quintal dos Estados Unidos. Entretanto, essa visão não surgiu com Kerry, pelo contrário, ela foi sendo construída de forma sistemática dentro do hegemon. Desde a Doutrina Monroe (1823), que tentou orquestrar uma retórica para expulsar a influência européia do continente americano, com um discurso contrário à colonização e incentivando a independência das nações. Essa Doutrina deu caminho para os 200 anos de contradições impostas pelos Estados Unidos, que, a partir dela, se sentiram “livres” para intervir nos Estados, alegando estarem auxiliando esses Estados a serem independentes e democráticos. Com isso, é necessário relembrar que nesse período havia muitas colônias no continente americano que desejavam a independência e viam os Estados Unidos como uma nação capaz de protegê-los contra os dominadores europeus. Contudo, essa política de proteção logo se tornou uma política expansionista e intervencionista. 

Foi na época da presidência de James K. Polk (1845-1849) que os Estados Unidos começaram sua expanção ao território mexicano, já na época de Rutherford B. Hayes (1877-1881) os Estados Unidos começaram a intervir na América Central e no Caribe. Além de intervirem na independência de Porto Rico e Cuba. Dessa forma, notamos que, historicamente e sistematicamente, através de políticas estadunidenses, foi construindo um cenário de intervenções constantes na região da América Central e na América do Sul, que contribuíram para a visão e a retórica de que esse território é o “quintal” dos Estados Unidos, onde eles conseguem concretizar sua agenda de política externa.

Em 2008, o Council of Foreign Relations escreveu um relatório sobre a direção da política externa estadunidense voltada para a América Latina, nele consta um breve resumo que afirma que: 

“A América Latina nunca foi tão importante para os Estados Unidos. A região é o maior fornecedor estrangeiro de petróleo para os Estados Unidos e um parceiro forte no desenvolvimento de combustíveis alternativos. É um dos parceiros comerciais de crescimento mais rápido dos Estados Unidos, além de ser seu maior fornecedor de drogas ilegais. A América Latina também é a maior fonte de imigrantes para os Estados Unidos, tanto documentados quanto não documentados. Tudo isso reforça os laços profundos dos Estados Unidos com a região – estratégicos, econômicos e culturais – mas também levanta preocupações profundas. O relatório deixa claro que a era dos Estados Unidos como influência dominante na América Latina acabou. Os países da região não apenas se tornaram mais fortes, mas também expandiram suas relações com outros, incluindo China e Índia. A atenção dos Estados Unidos também se voltou para outras áreas nos últimos anos, especialmente para os desafios no Oriente Médio. O resultado é uma região moldando seu futuro muito mais do que moldou seu passado. Ao mesmo tempo em que a América Latina tem feito progressos substanciais, também enfrenta desafios contínuos. A democracia se espalhou, as economias se abriram e as populações se tornaram mais móveis. Mas muitos países têm lutado para reduzir a pobreza e a desigualdade e para garantir a segurança pública.”

Nesse cenário de possíveis mudanças encontra-se esse projeto chinês, o “Belt and Road Initiative”. Portanto, em sua essência, um projeto que tem como efeito aumentar as tensões na região com o hegemon de nosso tempo. Uma das reações da potência foi anunciada pelo próprio Joe Biden, em uma reunião do G20, a qual ele declara a India-Middle East-Europe Economic Corridor (IMEC), uma ideia para contrapor a iniciativa chinesa. Porém, como o próprio nome já indica, essa proposta não está mirando no continente americano. De modo geral, esse plano evidencia que a própria iniciativa chinesa já é vista como uma ameaça para os Estados Unidos, além de ser uma ameaça para as próprias instituições de Bretton Woods, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Pelo menos, no âmbito econômico e, até mesmo, no campo das ideias, já que o próprio Belt and Road Initiative é uma outra forma dos Estados conseguirem investimento e empréstimos, para além das instituições internacionais tradicionais. No entanto, ainda não é possível identificar, especialmente, em sua total amplitude, o quão significativa é essa ameaça, até porque o Belt and Road Initiative ainda está em construção. Ainda assim, esse tema mostra-se essencial de ser ressaltado/investigado de forma mais profunda no mundo acadêmico. 


Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: flavio.da@ufu.br

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: lauramariaschanuel@gmail.com

V. Referências

AQUINO, Marco; JOURDAN, Adam. China widens South America trade highway with Silk Road mega port. 18 jan. de 2024. Reuters. Disponível em: https://www.reuters.com/world/china/china-widens-south-america-trade-highway-with-silk-road-mega-port-2024-01-18/.

BBC. Os 200 anos do plano que transformou América Latina em ‘quintal dos EUA’. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgrp3x22d7wo. Acesso em: 07 de abril de 2024.

BBC. O novo porto chinês no Peru que pode ser porta do Brasil para Pacífico e preocupa EUA. 19 dez. 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyj243xzvnwo.

Centro de Estudios Estratégicos del Ejército del Perú. Megapuerto de Chancay: Repercusiones en el Comercio Sudamericano e Impacto Geoestratégico. 10 mai. 2023. Disponível em: https://ceeep.mil.pe/2023/05/10/megapuerto-de-chancay-repercusiones-en-el-comercio-sudamericano-e-impacto-geoestrategico/.

Centro de Estudios Estratégicos del Ejército del Perú. “Belt and Road” Initiative in Peru: Impact, opportunities and challenges. 25 jan. 2022. Disponível em: https://ceeep.mil.pe/2022/01/25/belt-and-road-initiative-in-peru-impact-opportunities-and-challenges/?lang=en.

Conselho de Relações Exteriores (CFR). U.S.-Latin America Relations: A New Direction for a New Reality. 2008. Disponível em: https://cdn.cfr.org/sites/default/files/report_pdf/TFR%20%2360%20-%20U.S.-Latin%20America%20Relations_A%20New%20Direction%20for%20a%20New%20Reality%20%282008%29.pdf?_gl=1*der0iy*_ga*MTgyMDA4OTUyNC4xNzA5NzQzMzk3*_ga_24W5E70YKH*MTcxMjUyMzY2My4zLjEuMTcxMjUyMzkwNy41Mi4wLjA. Acesso em: 07 de abril de 2024.

EUROPEAN UNIVERSITY INSTITUTE. The Belt and Road Initiative in Latin America: How China Makes Friends and What This Means for the Region. 18 mar. 2022. Disponível em: https://blogs.eui.eu/latin-american-working-group/the-belt-and-road-initiative-in-latin-america-how-china-makes-friends-and-what-this-means-for-the-region/.

JENKINS, Rhys. China’s Belt and Road Initiative in Latin America: What has Changed?. Journal of Current Chinese Affairs. 2022, Vol. 51(1) 13–39. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/epdf/10.1177/18681026211047871.

Ministério das Relações Exteriores da Índia. Parceria para Infraestrutura e Investimento Global (PGII) – Corredor Econômico Índia-Médio Oriente-Europa (IMEC). Disponível em: https://www.mea.gov.in/press-releases.htm?dtl/37091/Partnership_for_Global_Infrastructure_and_Investment_PGII__IndiaMiddle_EastEurope_Economic_Corridor_IMEC. Acesso em: 07 de abril de 2024.


Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: barbarabenetip@gmail.com

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: juliapirani.cabral2001@gmail.com

Eixo 2: BRICs e bancos de desenvolvimento

2.1 BRICS Coin – a moeda dos BRICS

Autores: Ana Beatriz Cezareto Boldorini, Barbara Cristina Jacintho, Emanuelly Araújo Ferreira

Data de Publicação: 10/04/2024

Revisor: Laura Maria Arruda Schanuel Mendes

I. Introdução

Nas últimas duas décadas, o panorama da assistência global passou por uma transformação significativa, com economias emergentes e outros contribuintes desempenhando um papel cada vez mais importante no financiamento do desenvolvimento global, outrora dominado pelos países do Grupo dos Sete (G7). Este fenômeno tem ampliado o alcance e a profundidade do apoio financeiro às nações em desenvolvimento.

Entre as economias emergentes, notavelmente os países do BRICS, que agora inclui cinco novos membros (Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã), têm se destacado ao responder por uma fatia maior do Produto Interno Bruto global, com base na paridade do poder de compra, do que os países do G7. Especificamente, os países do BRICS têm contribuído significativamente, representando 22% dos empréstimos bilaterais a nações em desenvolvimento na última década.

Ao mesmo tempo, o dólar vem perdendo, mesmo que muito lentamente, espaço nas reservas de Bancos Centrais ao redor do mundo, o Euro permanece como a segunda moeda mais utilizada para esta função, mas o destaque vai para o aumento de outras moedas, como o renminbi chinês, como aponta esse gráfico do FMI:

II. Desdolarização

Os esforços de desdolarização ganharam força no ano passado. No entanto, nas últimas semanas, a aliança econômica BRICS anunciou seus ambiciosos planos para a criação de um sistema de pagamento baseado em blockchain, acompanhado pela introdução de uma moeda nativa. Esta iniciativa tem o potencial de transformar significativamente o panorama econômico global. 

O embaixador do BRICS na África do Sul, Anil Sooklal, fez uma declaração afirmando que o domínio do dólar americano está próximo de seu fim. Em uma entrevista recente, Sooklal afirmou que os dias do mundo sob o controle do dólar estão contados e em breve darão lugar a uma nova ordem financeira global. Ele destacou que a transição para um mundo desdolarizado é inevitável e que em breve será adotada por todos os setores. Sooklal argumentou vigorosamente contra a persistente “armamentização” do dólar pelo governo dos Estados Unidos, argumentando que essa prática perdeu sua relevância nos mercados globais. Suas declarações refletem uma mudança de paradigma iminente nas relações econômicas internacionais e levantam questões sobre o futuro do papel do dólar como moeda dominante: “Os dias de um mundo centrado no dólar americano acabaram. Isso é uma realidade. Temos um sistema de comércio global multipolar hoje”, disse o embaixador.

Este movimento representa um avanço no compromisso do bloco com a desdolarização. Ao priorizar moedas locais, o BRICS tem procurado reduzir as influências ocidentais sobre a economia global. No entanto, com seu projeto mais recente, o bloco está se preparando para revolucionar potencialmente o sistema financeiro internacional.

III. Movimentações Iniciais

A Rússia, por exemplo, busca reduzir o impacto das avaliações norte-americanas, vem se apoiando em outras moedas para compensar suas reservas internacionais, entre elas e o renminbi. O país já é o que mais utiliza a moeda chinesa em seu banco central, compondo cerca de um terço de suas reservas.

Além disso, recentemente, a Rússia tomou medidas para contornar as avaliações ao aprovar uma legislação que permite o uso de Ativos Financeiros Digitais (DFAs) para facilitar o comércio global. A iniciativa anunciada em março pela Rússia busca fazer um sistema próprio e independente do modelo norte-americano e do dólar, por meio de criptomoedas com lastro no ouro e com o uso da tecnologia blockchain (mecanismo de banco de dados). A iniciativa anunciada em março pela Rússia busca fazer um sistema próprio e independente do modelo norte-americano e do dólar, por meio de criptomoedas com lastro no ouro e com o uso da tecnologia blockchain (mecanismo de banco de dados). O projeto enfrenta obstáculos logísticos e regulatórios, pois, para acontecer, é necessária a integração das moedas digitais (CBDCs) de cada país dos BRICS, que ainda não foram completamente desenvolvidas, além da necessidade de criar um sistema que suporte a nova moeda.

Atualmente, dentro dos cenários nacionais, os países continuam nas fases iniciais do desenvolvimento de suas próprias CBDCs, assim como o Brasil com o “real digital” chamado Drex é desenvolvida e controlada pelo Banco Central, com o intuito de facilitar e melhorar a eficiência das transações entre empresas e pessoas no país. Dentro desse contexto multipolar e de economia anti-Ocidente, o uso do yuan (moeda chinesa) ultrapassou o dólar nas negociações comerciais entre Rússia e China, chegando a alcançar a marca de 95% do mercado entre essas duas potências. 

IV. Conclusão

Desde 2014, com as investidas russas sobre a Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções econômicas à Rússia. Desde então, com o ápice das sanções em 2024, a Rússia e outros países como a Índia, China, Irã e os Emirados Árabes Unidos começaram a intensificar o uso de suas próprias moedas no comércio com outros países, devido à preocupação com sua estabilidade financeira. Dessa forma, a guerra russa-ucraniana incentiva o desvio para novas formas e modelos de negócios entre países que passaram a encarar a moeda dos EUA não somente como uma ferramenta de dominação monetária, mas também um sistema opressor e que amplia o risco à soberania dos agentes econômicos.

Em conclusão, as alternativas comerciais como o “BRICS Coin” representam pontos de ruptura nas dinâmicas geopolíticas mundiais, desafiando a hegemonia econômica do G7. Assim, a alternativa proposta pelos BRICS é uma forma de aumentar a pressão sobre o dólar americano, fazendo com que sua oferta e procura caiam no mercado internacional, além de trazer um maior aspecto multipolar à ordem mundial. 

No entanto, os países dos BRICS ainda enfrentam desafios para emplacar suas alternativas ao sistema financeiro mundial dada a complexidade logística, regulatória e política para esse processo de transição somada a necessidade de cooperação entre esses países e outras economias emergentes que são tão diversas política e economicamente. Por fim, essa nova variável para o cenário econômico internacional permite que os BRICS marquem presença no mercado financeiro, avancem e acelerem para uma direção contrária aos líderes europeus e norte-americanos. A décima sexta cúpula, programada para acontecer ainda este ano na Rússia, promete oferecer maior esclarecimento sobre os planos delineados para fortalecer as moedas locais.

V. Referências:

ARSLANALP, Serkan; EICHENGREEN, Barry; SIMPSON-BELL, Chima. A dominância do dólar e a ascensão das moedas de reserva não tradicionais. IMF Blog, 2022. Disponível em: <https://www.imf.org/pt/Blogs/Articles/2022/06/01/blog-dollar-dominance-and-the-rise-of-nontraditional-reserve-currencies>. Acesso em: 10 abr. 2024.

DSOUZA, Vinod. BRICS Announces New Blockchain-based Crypto Payment System. Watcher Guru, 2024. Disponível em: <https://watcher.guru/news/brics-announces-new-blockchain-based-crypto-payment-system>. Acesso em: 10 abr. 2024.

DSOUZA, Vinod. US Dollar-Dominated World Will End Soon, Says BRICS Ambassador. Watcher Guru, 2024. Disponível em: <https://watcher.guru/news/us-dollar-dominated-world-will-end-brics-ambassador>. Acesso em: 10 abr. 2024.

RAMOS, Joshua. BRICS: How its Blockchain Currency Changes the Global Economy. Watcher Guru, 2024. Disponível em: <https://watcher.guru/news/brics-how-its-blockchain-currency-changes-the-global-economy>. Acesso em: 10 abr. 2024.

SOUZA, Mayara. Moeda única dos Brics quer redefinir o cenário financeiro global. InvestNews. Disponível em: <https://investnews.com.br/criptonews/moeda-unica-dos-brics-quer-redefinir-o-cenario-financeiro-global>. Acesso em: 10 abr. 2024.

VASCONCELOS, Sueli. De Bretton Woods à Desdolarização. Estado de Minas. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/colunistas/sueli-vasconcelos/2023/04/17/noticia-sueli-vasconcelos,1481943/de-bretton-woods-a-desdolarizacao.shtml>. Acesso em: 10 abr. 2024.


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: anabboldorini@gmail.com

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: babicristina013@gmail.com

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: emanuellyaraujoferreira@gmail.com

2.2 BRICS e o Novo Banco de Desenvolvimento. Uma análise do caso brasileiro envolvendo os “Correios” e seus impactos.

Autores: Ana Luísa de Araujo; Ariane Citi Rodrigues e Fernando José Martins de Paula

Data de Publicação: 11/04/2024

Revisores: João Pedro de Souza Melo Lemos Rezende e Mell Monteiro

I. Introdução

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) tem se mostrado um relevante tema ao analisar a conjuntura econômica mundial. Com a proposta de conter, essencialmente, os membros do BRICS, de certo modo, se destaca por não ser totalmente voltado somente para o desenvolvimento econômico no sentido de assistência às necessidades refletidas nos índices macroeconômicos, mas também, voltado ao desenvolvimento sustentável que impacte positivamente a população civil.

Nesse sentido, baseado na construção de um futuro mais inclusivo e sustentável, são premissas a serem prezadas; energia limpa e eficiência energética; infraestrutura de transporte; água e saneamento; proteção ambiental; infraestrutura social; e infraestrutura digital.  Conforme expresso no Artigo 2 do Acordo, a participação é aberta a todos os membros das Nações Unidas que concordem com o Acordo Constitutivo do NDB, também sendo aberto para membros mutuários ou não.

No atual momento (abril/2024) o NDB consta com os seguintes membros: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito, com o Uruguai em adesão, faltando apenas, para oficializar, depositar seu instrumento de adesão.

Gráfico 1: Países Membros NDE – ABRIL 2024

Fonte: (NDB, 2024); Elaboração própria.

            O presente texto, a fim de entender a correlação do banco com questões internas brasileiras, utilizará da análise de caso a partir das explicitações feitas sobre as razões intrínsecas ao seu surgimento.

II.O surgimento

O NDB é um banco feito por e para economias emergentes e países em desenvolvimento, favorecendo o multilateralismo, ou seja, quando diversos países cooperam entre si para atingirem um objetivo em comum.

Não somente com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável interno, nota-se que a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) pelos países do BRICS foi impulsionada por uma série de razões fundamentais. Ressaltava-se, entre elas, a flagrante sub-representação, nas instituições financeiras globais estabelecidas, dos países do BRICS que, apesar do crescimento notável de seu poder econômico, não encontravam uma correspondência, por um lado, entre as suas contribuições e influência, e sua participação nessas instituições, por outro.

Ademais, os bancos multilaterais de desenvolvimento existentes se revelaram morosos em se adaptar às mudanças do panorama global, gerando uma insatisfação crescente entre os países do BRICS quanto ao atual arranjo de governança financeira global: essas instituições enfrentam dificuldades consideráveis para suprir a lacuna de investimentos em infraestrutura, particularmente nos países do BRICS e em outras economias emergentes e em desenvolvimento.

Os países do BRICS, assim, decidiram instituir o NDB como uma resposta aos desafios encontrados nas instituições financeiras globais preexistentes, sendo concebido não apenas para confrontar tais desafios, mas também para contribuir para iniciativas de desenvolvimento sustentável em suas próprias regiões e além delas, buscando não apenas expertise em projetos específicos, mas também estabelecendo conexões institucionais para troca de conhecimento, incluindo o desenvolvimento de uma equipe interna de especialistas em infraestrutura sustentável, além de parcerias regulares com academia, grupos de reflexão, associações privadas e fóruns internacionais.

III. Os projetos

No Brasil, alguns dos principais projetos que o Banco do BRICS aprovou foram:

  • Projeto de Proteção Ambiental, Petrobras: melhorias na infraestrutura de duas refinarias – REGAP (localizada no município de Betim, Minas Gerias) e REDUC (localizada no município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro)
  • Projeto de Investimento na SABESP: foco na expansão da área de atuação do serviço, proteção ambiental e sustentabilidade da operação, de modo a diminuir as emissões de gases do efeito estufa;
  • Projeto de Eficiência e Expansão de Água e Saneamento de Pernambuco: concentração na região metropolitana e no interior do estado;
  • Projeto de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano de Sorocaba: melhorias na infraestrutura das vias existentes, meios alternativos de transporte e melhora da qualidade de vida e meio ambiente na cidade.

Gráfico 2:

Fonte: (NDB, 2024), Elaboração própria

Além dos projetos citados, no dia 18 de março de 2024, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a autorização relacionada ao acordo entre o Novo Banco de Desenvolvimento, mais conhecido como Banco dos BRICS, e os Correios. A instituição financeira emprestará R$ 4 bilhões à empresa brasileira para que novos investimentos sejam feitos.

Os recursos foram autorizados pela Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex), que concedeu também a preparação de novos programas bancados por empréstimos com outros bancos internacionais. Entre as novas anuências, está o “Programa de Modernização e Transformação Ecológica dos Correios”, com até 717,5 milhões de euros, equivalentes a R$ 3,9 bilhões na cotação atual.

IV. Análise de caso

Portanto, qual a relação, então, entre a breve apresentação sobre as razões que levaram à fundação do NDB, e o “Programa de Modernização e Transformação Ecológica” firmado entre os Correios e o banco? Ela não é, de antemão, acidental, o que é indicado pelo documento “NDB’s General Strategy”. Encontra-se nele, para ser mais exato, no seu sumário executivo, que a promoção de um desenvolvimento sustentável de infraestrutura está no núcleo da sua estratégia operacional.  Segundo o Palácio do Planalto, os recursos serão usados para projetos voltados a investimentos em energia limpa e descarbonização da frota, no entanto, mais detalhes sobre o projeto ainda não foram divulgados pelo governo. Nos seus primeiros cinco anos de atividade, estabelecerá dois terços de seus compromissos financeiros nesta área.

A flexibilidade de destinar um terço restante para outras áreas permite que o banco atue tanto em infraestrutura tradicional quanto em desenvolvimento sustentável, mantendo sua singularidade no cenário das instituições financeiras internacionais, o que encontra corroboração, nessa mesma notícia, na iniciativa de captação  com o NDB de 200 milhões de dólares por parte do governo de São Paulo, para a expansão da  Linha Amarela do Metrô na capital paulista, e 273 milhões de euros para o “Programa de Apoio à Infraestrutura Urbana, Rural e Social” do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul.

V. Conclusão

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) representa uma abordagem inovadora e significativa para o financiamento do desenvolvimento econômico e sustentável, especialmente para os países membros do BRICS. A criação do NDB reflete a busca por maior representatividade e eficiência por parte dos países emergentes e em desenvolvimento, diante das limitações e insuficiências das instituições financeiras globais existentes.

No contexto brasileiro, os projetos aprovados pelo NDB, ao menos nominalmente, evidenciam um compromisso tangível com a proteção ambiental, o desenvolvimento de infraestrutura sustentável e a melhoria da qualidade de vida da população. A parceria entre o NDB e os Correios para investimentos em modernização e transformação ecológica ressalta a coerência das políticas do banco com suas diretrizes estratégicas, focadas em promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo.

Por ser uma iniciativa relativamente recente no cenário financeiro internacional, ainda é difícil prever completamente sua viabilidade e os impactos macroeconômicos a longo prazo. Isso se deve em parte ao fato de que muitos dos projetos financiados pelo NDB ainda estão em andamento e seus resultados completos e impactos econômicos completos ainda não são totalmente conhecidos.

Ainda assim, é importante ressaltar que o NDB surgiu como resposta a desafios claros enfrentados pelos países do BRICS e outros países em desenvolvimento, como a sub-representação em instituições financeiras globais e a necessidade de financiamento para infraestrutura sustentável. Sua flexibilidade e foco em desenvolvimento sustentável sugerem um potencial significativo para contribuir positivamente para a economia global e para o desenvolvimento de seus membros a longo prazo.

VI. Referências:

172ª Reunião da Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex). Secretaria de Assuntos Internacionais e Desenvolvimento, 14 mar. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/assuntos-internacionais-e-desenvolvimento/cofiex/reunioes/reunioes-da-comissao-de-financiamentos-externos-2013-cofiex/pautas/pauta-172o.pdf. Acesso em: 29 mar. 2024.

BAUMANN, Renato. Os Novos Bancos de Desenvolvimento: Independência Conflitiva ou Parcerias Estratégicas?. Revista de Economia Política, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rep/a/Py63mqxBvpZpDgKRZyqBcRM/abstract/?lang=pt. Acesso em: 12 nov. 2023.

CORREIA, Victor. Governo autoriza Correios a prepararem operação de quase R$ 4 bi com Banco do BRICS. Correio Braziliense, 12 out. 2023. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/10/5133501-brasil-recebera-emprestimo-de-uss-1-bilhao-do-banco-do-brics.html. Acesso em: 29 mar. 2024.

CURVELLO, Ana Carolina. Planejamento autoriza operação dos Correios de quase R$ 4 bilhões com o Banco Brics. Gazeta do Povo, 9 abr. 2024. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/planejamento-autoriza-operacao-dos-correios-de-quase-r-4-bilhoes-com-banco-brics/. Acesso em: 9 abr. 2024.

GOVERNO autoriza Correios a prepararem operação de quase R$ 4 bi com Banco do Brics. InfoMoney, 18 mar. 2024. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/politica/governo-autoriza-correios-a-prepararem-operacao-de-quase-r-4-bi-com-banco-do-brics/. Acesso em: 29 mar. 2024.

NDB – Projetos. 2024. Disponível em: https://www.ndb.int/projects/all-projects/. Acesso em: 1 abr. 2024.

PEREIRA, Rafael Antônio Anicio; MILAN, Marcelo. O Financiamento do Desenvolvimento e o Novo Banco dos BRICS: Uma alternativa ao Banco Mundial?. Repositório do Conhecimento do IPEA, 2018. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9841/1/ppp_n51_financiamento.pdf. Acesso em: 9 nov. 2023.


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: anasimproniaraujo@gmail.com

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: arianecitirodrigues@gmail.com

Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: fjmdp3967@gmail.com

Eixo 3: Economia Política da Guerra da Ucrânia

3.1 O Desengajamento Ocidental na Guerra da Ucrânia

Autor: Richard Rodrigues
Data de publicação: 02/04/2024

I. As Origens do desengajamento

Desde o primeiro momento da deflagração da Guerra da Ucrânia em 2022, os Estados Unidos e a Europa engajaram-se ativamente na ajuda financeira e material à Ucrânia em sua empreitada de conter a invasão russa e retomar os seus territórios ocupados. Essa postura mostrou-se essencial para o esforço de guerra da Ucrânia e para a formação de uma ampla base de apoio internacional a Kiev nos primeiros meses do conflito, o que permitiu ao país resistir às sucessivas investidas russas no campo de batalha.

Em tese, as justificativas do apoio Ocidental à Ucrânia provém de duas perspectivas principais, a do direito internacional e o da geopolítica de poder. No tocante ao Direito Internacional, é negado a visão russa de que a região do leste da Ucrânia é um território histórico de direito de posse russa e que a justificativa de Moscou, quanto a existência de perseguição e genocidio aos russos no país após o Euromaidan, são apenas falácias para promover o Casus Belli necessário a invasão. Agora, em relação à questões geopolíticas, a justificativa Ocidental, mostra-se voltado a percepção da Rússia como um inimigo histórico da Europa e dos Estados Unidos da América (EUA) no Leste Europeu, e que caso não seja contida apresentará ímpetos expansionistas suficientemente grandes para desestabilizar toda a Europa, inclusive a União Europeia.

Entretanto, no delongar de mais de 2 anos de conflito, esse ânimo inicial parece começar a minguar, principalmente em função dos resultados inconclusivos obtidos pela Ucrânia no campo de batalha até agora. O interessante é que se hoje há uma desilusão com essa questão, a pouco menos de um ano havia uma grande expectativa na alteração dos rumos da guerra em razão da ofensiva ucraniana na primavera de 2023, que mesmo sendo planejada e realizada com apoio material e técnico Ocidental, acabou por mostrar-se insuficiente para alterar o quadro vigente do conflito. 

Principalmente após essa grande desilusão Ocidental, começaram a surgir várias fissuras no apoio internacional à Ucrânia, com essas fraturas, inicialmente, mostrando-se mais latentes nos EUA e, posteriormente, na Europa. Visto a diminuição dos auxílios financeiros e materiais cedidos a Kiev, por parte do Ocidente, essa situação já começa a abalar o esforço de guerra e a estabilidade política da Ucrânia. Posto isso, cabe agora, de forma mais detalhada, apresentar como esses dois principais atores, progressivamente, estão desengajado-se da Guerra da Ucrânia, principalmente em razão da perda de apoio popular a essa pauta. 

II. A incostância americana

Se no início do conflito, os EUA eram a vanguarda internacional do apoio Ucraniano, hoje, os mesmos dão a tônica do desengajamento de todo o Ocidente no conflito. A perda de força dessa pauta inicia-se pelos desalinhamentos de Washington e Kiev sobre como o apoio material cedido pela ajuda internacional e os ativos militares da Ucrânia devem ser utilizados no conflito, resultando, na percepção americana, em um prolongamento desnecessário da guerra. Entretanto, por mais que essa questão mostre-se como um grande desconforto entre os dois Estados, ela não é um elemento determinante para o progressivo afastamento das altas autoridades dos dois países. Atualmente, o elemento fundamental desse desengajamento, é a próprio queda de apoio popular americano em relação ao conflito, que considera a Ucrânia uma região distante dos interesses nacionais dos EUA e não observam motivos de tantos gastos serem realizados na defesa daquele país, percepção essa, que anda sendo muito bem capitalizada pelo partido Republicano e o ex-presidente Donald Trump

Nas pesquisas do PEW Research Center, realizadas em novembro e dezembro de 2023, demonstra-se que mesmo ainda com a maioria da população (58%) dos EUA apoiando a continuidade do auxilio financeiro e militar à Ucrânia, há o inicio de uma clara reversão desse panorama. Partindo de outra pesquisa, agora da Reuters, em outubro do mesmo ano, demonstra como o apoio da população estadunidense à fornecer equipamento militares a Kiev diminuiu, sendo de 41% em novembro, ante 46% em maio de 2023. Dito isso, também é válido ressaltar que quando observado dentro do bojo partidário é perceptível uma clivagem de interesses, com republicanos e independentes afastando-se do apoio à Ucrânia, enquanto os democratas buscam manter e aumentar o apoio. 

Com isso, de forma breve, é necessário apresentar, por meio do gráfico 1, os dados relativos ao apoio da população dos EUA em relação a buscar um fim do conflito, mesmo que em função de concessões territoriais da Ucrânia à Rússia.

Gráfico 1 – Índice de apoio da população dos EUA a continuidade da guerra 

Fonte: Quincy-Institute (2024). Elaboração própria.

III. A acomodação europeia

Posto o caso Americano, cabe agora demonstrar como há um movimento correlato na Europa, com as nações do continente, notadamente os Estados membros da União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Se em um primeiro momento os países do continente mostraram-se guiados pelo engajamento estadunidense, agora, eles também seguem o mesmo posicionamento deste de desengajar do conflito.

Se inicialmente, tal qual os EUA, a Europa viu a Guerra como uma ameaça à segurança nacional dos Estados do continente, essa sensação foi diluindo-se como em razão dos altos níveis inflacionários que atingiram esses países em função das retaliações energéticas da Rússia. Além disso, a estagnação econômica da Europa e a incapacidade desses Estados encabeçarem o esforço de guerra de Kiev, aliado à ascensão de partidos de extrema direita ou eurocéticos no seio da União Europeia provocaram uma progressiva percepção da incapacidade da União Europeia em influenciar as dinâmicas políticas da guerra e das suas resultantes no campo de batalha. Apesar dos países da União Europeia, sob o bojo da OTAN, buscarem se arregimentar contra possíveis agressões russas ao restante do continente, como pode ser observado pela entrada da Finlândia e, posteriormente, a Suécia. Assim, mesmo que tenha uma clara preparação para lidar com as agressões russas em solo dos estados membros da OTAN, tem-se uma grande aversão a uma maior intervenção direta no conflito, que é agravada pela própria inconstância da própria União Europeia em conseguir consenso nessas pautas. 

Posto isso, de forma breve, é necessário demonstrar, sob a forma do gráfico 2, como a população de alguns países europeus e, consequentemente, seus governos mostram-se reticentes quanto à continuidade do conflito e a manter o apoio à Ucrânia contra a Rússia.  

Gráfico 2 –  Índice de apoio da população da União Europeia à continuidade da guerra da Ucrânia.

Fonte: European Council on Foreign Relations (2024). Elaboração própria.

IV. A fadiga de Guerra do Ocidente

Posto os dados apresentados anteriormente nos gráficos, aliado aos fatos expostos, é possível aferir que a fadiga de guerra está afetando, de forma cada vez mais intensa, o Ocidente em seu apoio à Ucrânia. A queda do apoio popular à guerra, visto em seu ímpeto de finalizar o conflito, mesmo sob as condições de perdas territoriais da Ucrânia demonstra-se sob a lente da progressiva degradação dos auxílios desses países e, consequentemente, uma piora das condições de resistência de Kiev. Essa situação, de progressivo aumento da fadiga Ocidental em apoiar a Ucrânia, pode se mostrar fatal já nos próximos meses, afetando seriamente a capacidade do país em promover a manutenção de seu esforço de guerra contra Moscou. 

V. Referências

CAPIRAZI, B. Ucrânia: guerra completa um ano com alta inflação e economia fragilizada. Suno, 2023. Disponível em: <https://www.suno.com.br/noticias/noticias-guerra-ucrania-ano-inflacao-economia-fragil/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

CARDOSO, J. UE e EUA foram os que mais prometeram ajuda à Ucrânia. PODER 360, 2024. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/europa-em-guerra/ue-e-eua-foram-os-que-mais-prometeram-ajuda-a-ucrania/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

CAREY, A. Exclusivo: Ucrânia deve se adaptar à redução na ajuda militar do Ocidente. CNN, 2024. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/exclusivo-ucrania-deve-se-adaptar-a-reducao-na-ajuda-militar-do-ocidente/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

CERDA, A. About half of Republicans now say the U.S. is providing too much aid to Ukraine. Pew Research Center, 2023. Disponível em: <https://www.pewresearch.org/short-reads/2023/12/08/about-half-of-republicans-now-say-the-us-is-providing-too-much-aid-to-ukraine/>. Acesso em: 24 mar. 2024

COLLINSON, S. Análise: presidente da Câmara dos EUA tem o destino da Ucrânia em suas mãos. CNN, 2024. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/analise-presidente-da-camara-dos-eua-tem-o-destino-da-ucrania-em-suas-maos/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

FERRARO, Vicente. O que está por trás da crise entre a Rússia, Ucrânia e Otan?. PODER 360, 2022. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/opiniao/o-que-esta-por-tras-da-crise-entre-a-russia-ucrania-e-otan/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

FOLHA DE PERNAMBUCO. Europeus estão reticentes com ideia da França de enviar tropas à Ucrânia. Folha PE, 2024. Disponível em: <https://www.folhape.com.br/noticias/europeus-estao-reticentes-com-ideia-da-franca-de-enviar-tropas-a/319687/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

KNIGHT, J. F., Luke McGee, Mariya. Hungria bloqueia tentativa de ajuda financeira da UE à Ucrânia. CNN,2023. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/hungria-bloqueia-tentativa-de-ajuda-financeira-da-ue-a-ucrania/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

LANGE, J.; ZENGERLE, P. US public support declines for arming Ukraine, Reuters/Ipsos poll shows. Reuters, 2023. Disponível em: https://www.reuters.com/world/us/us-public-support-declines-arming-ukraine-reutersipsos-2023-10-05/#:~:text=The%20two%2Dday%20poll%2C%20which,disagreed%20and%20the%20rest%20unsure. Acesso em: 24 mar. 2024.

COI, Giovanna. POSANER, Joshua. Most Europeans think Ukraine will lose the war, according to survey. POLÍTICO, 2024. Disponível em: https://www.politico.eu/article/europeans-think-ukraine-lose-war-russia-survey/.  Acesso em: 24 mar. 2024.

POVO. Guerra da Ucrânia: comandante militar admite fracasso de contraofensiva. O POVO, 2023. Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2023/11/04/guerra-da-ucrania-comandante-militar-admite-fracasso-de-contraofensiva.html>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

PSARA, Maria. Is fatigue over the war in Ukraine settling across the EU?. Euronews, 2023. Disponível em: <https://www.euronews.com/my-europe/2023/11/28/is-fatigue-over-the-war-in-ukraine-settling-across-the-eu>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

QUINCY INSTITUTE, 2024. New Poll: More than Two-Thirds of Americans Support Urgent U.S. Diplomacy to End Ukraine War. Quincy Institute, 2024. Disponível em: https://quincyinst.org/2024/02/16/new-poll-more-than-two-thirds-of-americans-support-urgent-u-s-diplomacy-to-end-ukraine-war/. Acesso em: 24 mar. 2024.

SANCHES, Mariana. Desnazificação e genocídio: a história por trás da justificativa de Putin para invasão da Ucrânia. BBC, 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60518951>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

VEJA. EUA criticam posicionamento de tropas ucranianas e ataques contra Rússia. Veja, 2023. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/eua-criticam-posicionamento-de-tropas-ucranianas-e-ataques-contra-russia/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 


Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: Richardrssinternacionalista@outlook.com.br

3.2 Os efeitos econômicos da Guerra

Autor: Richard Rodrigues
Data de publicação: 02/04/2024

Revisor: Laura Maria Arruda Schanuel Mendes

I. Os efeitos econômicos da guerra

Historicamente, a guerra é considerada um empreendimento com elevado custo para ser levado a cabo, podendo afetar gravemente não só a economia dos Estados envolvidos, como os demais países da região e, dependendo da escala do conflito, todo o sistema internacional. A Guerra da Ucrânia não foge desse padrão, com esta trazendo várias consequências e empecilhos para as economias da Rússia e da Ucrânia.

Os custos de uma guerra podem se apresentar nos mais diversos sentidos, desde os mais facilmente contabilizados e quantificáveis (custo de armamentos, pagamento de soldo das tropas mobilizadas e destruição de infraestrutura), como também por elementos que não se apresentam de forma tão óbvia (diminuição da capacidade de inovação, retração dos índices de escolaridade, aumento da violência, queda da população e dos índices de educação). Essas consequências, que corroboram a caracterização desse empreendimento como um fenômeno extremamente arriscado, somam-se a própria imprevisibilidade das dinâmicas do campo de batalha.

II. Os custos da guerra para À Ucrânia

Quando observado o panorama dos custos da guerra para a Ucrânia, é possível observar que no primeiro ano da guerra o Produto Interno Bruto (PIB) do país caiu 29,1%, em função da retração dos investimentos econômicos internacionais, fuga da população, da instabilidade gerada na economia e retração da produção. Essa dinâmica continuou a acentuar-se em 2023, com o primeiro trimestre do ano apresentando uma retração de 10,5% no PIB, com esse panorama começando a ser revertido apenas no decorrer desse mesmo ano.

A volta do crescimento econômico, dado em termos modestos quando comparado à queda anterior, ocorreu sob um incremento do PIB de 2,2% nos 7 meses iniciais do ano e, com algumas estimativas afirmando um crescimento total no ano de 2% e com projeções de crescimento de 3,2% em 2024. Contudo, em função das restrições dos dados econômicos do país nesse dado momento da guerra, é difícil aferir como se desenrola o processo de recuperação econômica da Ucrânia em 2024, principalmente em função do crescente desengajamento Ocidental e ao aumento das investidas russas, seja pelos ataques em infraestrutura chave do país ou pelo incremento dos avanços da Rússia no campo de batalha nos últimos meses.

Além dos custos econômicos propriamente ditos, há grandes problemáticas humanitárias envolvendo o conflito na Ucrânia, em razão dos ataques sistemáticos da Rússia nas infraestruturas civis do país. Isso resulta em um amplo deslocamento das populações internas, havendo atualmente 3,7 milhões de ucranianos deslocados internamente e 6,5 milhões de refugiados internacionais.

Afora os deslocamentos e migrações forçadas, as casualidades ucranianas também começam a se avolumar, conforme as estimativas do New York Times no segundo semestre de 2023, com o país atingindo algo entorno de 70 mil mortos e 100 mil feridos. Essa alta perda de combatentes ucranianos começou a limitar a própria capacidade de resistência do país, que em 11 de abril de 2024 resultou na alteração de leis do país no intuito de incrementar o processo de alistamento e mobilização de novas tropas.

III. O custo da guerra para à Rússia

No caso russo, evidentemente, a guerra mostrou-se um empreendimento menos custoso, já que não houve agressões significativas em seu território, incorrendo no máximo em algumas escaramuças ucranianas e sofrendo danos esporádicos de drones a infraestruturas estratégicas do país. Por mais que tenha havido uma postura do Ocidente em penalizar a Rússia, a perda do PIB do país foi de apenas 2,1% em 2022, seguida no ano seguinte da recuperação econômica, com um acréscimo de 2,2% e com projeções de crescimento de 1,1% para 2024.

Para fins comparativos, será apresentado a seguir, por meio da imagem 1, a diferença do desempenho entre as economias beligerantes, demonstrando-se a maior resiliência do sistema produtivo e econômico da Rússia perante o conflito.

Imagem 1 – desempenho economico da Rússia e da Ucrânia na guerra

Fonte: Costa, 2024.

A partir disso, é notável observar a capacidade russa de promover o crescimento de sua economia, superando as pressões Ocidentais sobre seu sistema produtivo e os custos próprios custos internos da guerra, em concomitância ao seu processo de mobilização econômica e militar, visto que só nos primeiros 23 dias de beligerância o conflito já tinha custado 20 bilhões de dólares para Moscou. Contudo, apesar da capacidade de se manter de forma bem sucedida na guerra, essa situação, em vista das amplas perdas de equipamentos militares e de tropas devidamente adestradas, começou a ocasionar uma regressão do projeto de modernização das forças armadas do país. 

A intensidade do conflito acabou por fazer a Rússia enfrentar uma escassez de equipamentos modernos, levando o país a atrasar a produção em série de veículos blindados, como o T-14 Armata que teve sua produção descomissionado e em prol da produção de modelos de veículos blindados do século passado, como o T-80 e o T-72. Além disso, fora a interrupção do processo de modernização militar e o recomissionamento de equipamento antigo, notadamente soviético, há também uma escassez de projetos de artilharia que acabou por levar o país a se aproximar da Coreia do Norte e outros atores internacionais devido às insuficiências russas de suprir as suas demandas materiais para a guerra.

Somado a essas problemáticas, no tocante a questões materiais do país, tem-se também uma fuga de russos do país no intuito de evadirem-se do serviço militar. Conforme as estimativas, disponibilizadas pelo O Globo, é possível que de 600 mil a 4 milhões de russos tenham fugido do país em razão do conflito e das suas discordâncias em relação ao regime de Vladimir Putin.

No quesito de casualidades na guerra, as estimativas do New York Times em 2023 afirmavam que a Rússia tinha até aquele momento 170 mil feridos e 120 mil mortos. Quando comparado com as baixas ucranianas, é perceptível que a Rússia encontra-se em um panorama mais desfavorável que o de Kiev, mas consegue manter o esforço de guerra, já que sua população é 4 vezes maior que a da Ucrânia. Para exemplificar o contraste entre as casualidades das partes, será apresentada, no gráfico 1, a discrepância das baixas da Rússia e da Ucrânia na guerra.

Imagem 2 – Mortos e feridos na Guerra da Ucrânia

Fonte: New York Times (2023). Elaboração própria.

IV. Considerações sobre o conflito

Diante do exposto anteriormente, é possível observar como a guerra trouxe amplas e graves consequências para ambos os países, afetando as mais diversas dinâmicas econômicas e sociais desses Estados. No caso russo, o conflito resultou em um retrocesso do processo de modernização das suas forças armadas e do agravamento da diminuição da população do país, visto que esse fenômeno já estava se intensificando antes mesmo da guerra. No panorama ucraniano, o conflito resultou em uma desestruturação da sua economia, incorrendo em amplos deslocamentos de sua população pelo seu território e pela Europa, afastando as possibilidades do país entrar na União Europeia e de desenvolver-se social e economicamente nos anos vindouros.

Assim, independente do resultado do conflito, já é possível observar que ele não só gerará muitos empecilhos para a sociedade e economias da Ucrânia e Rússia, tanto no presente, quanto no futuro, como apresenta um grande potencial em reverberar no próprio desempenho europeu como um todo, afetando seriamente o continente.

Portanto, como ponto pivotante dessa questão tem-se três elementos principais, que foram brevemente apresentados nesse texto: 1 – O desaquecimento das economias russas e ucranianas, agregado a diminuição do comércio intrarregional e dos constrangimentos impostos pela guerra, possam a vir afetar o desempenho econômico do restante do continente; 2 – A migração e o deslocamento forçado dessas populações (russas e ucranianas) apresentam elevado potencial de causar graves crises humanitárias no continente e gerar grandes reverberações politicas nos países europeus; 3 – O retrocesso do processo de modernização das capacidades militares da Rússia, principalmente em um cenário em que o país não consiga submeter a Ucrânia aos seus desígnios, pode resultar em sólidas consequências para a segurança no continente e a percepção do grau de ameaça da Rússia na região.

V. Referências

ATWOOD, Kylie. Rússia compra milhões de mísseis e projéteis da Coreia do Norte, diz oficial. CNN, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/russia-compra-milhoes-de-misseis-e-projeteis-da-coreia-do-norte-diz-oficial/. acesso em: 25 de mar.  2024.

BARRIA, Cecilia. Guerra na Ucrânia: o gigantesco custo que a Rússia deve pagar para financiar o conflito. BBC, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60856323. acesso em: 8 de abr. 2024.

BBC. Por que a Rússia tem cada vez menos russos?. BBC NEWS BRASIL, 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyjxdnnr3l1o#:~:text=A%20ag%C3%AAncia%20populacional%20da%20ONU,pela%20guerra%20com%20a%20Ucr%C3%A2nia. acesso em: 25 de mar.  2024.

CNN. PIB da Ucrânia cai 10,5% no 1° trimestre de 2023; expectativa era de queda de 14,1%. CNN, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/pib-da-ucrania-cai-105-no-1-trimestre-de-2023-expectativa-era-de-queda-de-141/ acessado em: 25 de mar.  2024. 

COOPER, Helene et al. Troop Deaths and Injuries in Ukraine War Near 500,000, US Officials Say. International New York Times, 2023. Disponível em: https://www.nytimes.com/2023/08/18/us/politics/ukraine-russia-war-casualties.html. acesso em: 28 de mar.  2024.

COSTA, José Luis. Sanções falham e economia russa cresce após conflito. Poder 360, 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/europa-em-guerra/sancoes-falham-e-economia-russa-cresce-apos-conflito/#:~:text=O%20PIB%20(Produto%20Interno%20Bruto,n%C3%A3o%20teve%20recupera%C3%A7%C3%A3o%20da%20guerra. acesso em: 25 de mar.  2024. 

DE ORTE, Paola. Estimativas indicam que até 4 milhões de russos deixaram o país pela guerra. BBC, 2023.Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/07/30/estimativas-indicam-que-ate-4-milhoes-de-russos-deixaram-o-pais-pela-guerra.ghtml. acesso em: 11 de abr.  2024. 

EURONEWS. Conflito na Ucrânia já fez 14 milhões de deslocados, segundo a ONU. Euronews, 2024. Disponível em: https://pt.euronews.com/2024/02/22/conflito-na-ucrania-ja-fez-14-milhoes-de-deslocados-segundo-a-onu#:~:text=Estima%2Dse%20que%203%2C7,ou%20deslocadas%20dentro%20do%20pa%C3%ADs. acesso em: 25 de mar.  2024.

FORÇAS TERRESTRES. Rússia abandona desenvolvimento do tanque T-14 Armata. Forças terrestres, 2024.  Disponível em: https://www.forte.jor.br/2024/03/05/russia-abandona-desenvolvimento-do-tanque-t-14-armata/. acesso em: 25 de mar. 2024.

SANTORA, Marc. Ukraine’s Parliament Passes a Politically Fraught Mobilization Bill. International New York Times, 2024. Disponível em: https://www.nytimes.com/2024/04/11/world/europe/ukraine-war-mobilization-bill.html. acesso em: 11 de abr. 2024. 

WATERHOUSE, James. A Rússia está virando o jogo na guerra com a Ucrânia?. BBC, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cw4m2y3reyyo#:~:text=A%20popula%C3%A7%C3%A3o%20da%20R%C3%BAssia%2C%20de,maior%20que%20a%20da%20Ucr%C3%A2nia.&text=Apesar%20de%20ter%20perdido%20milhares,embora%20n%C3%A3o%20na%20mesma%20extens%C3%A3o. acesso em: 25 de mar.  2024.


Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: Richardrssinternacionalista@outlook.com.br

3.3 As consequências da Guerra à Europa

Autor: Maria Eduarda Maia
Data de publicação: 16/04/2024

Revisores: Richard Rodrigues e Mell Monteiro

I. Estagnação econômica da Europa

Desde a pandemia de covid-19 a economia europeia não conseguiu se restabelecer e tal situação apenas se agravou com o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia em 2022. A guerra entre essas duas nações acarretou um aumento nos preços da energia elétrica em toda a Europa, isso se dá por conta da dependência energética que o continente possui com os russos. O início dessa dependência se deu ainda na União Soviética, quando Moscou buscava por um mercado energético e os europeus queriam se desvincular do Oriente Médio, visto que o transporte por meio de navios era considerado instável. Sendo assim, o petróleo e gás russos, podendo ser fornecidos a partir de gasodutos, era uma alternativa viável e a Europa considerava que, sendo os maiores compradores, teriam um poder de barganha, não seriam necessariamente submissos à Rússia, o que não aconteceu.

Imagem 1 – Mapa sobre a dependência europeia do gás russo

Fonte: Fundo Monetário Internacional (2022).

No entanto, a Guerra na Ucrânia apresentou uma necessidade da transição energética europeia quando a Rússia passou a ameaçar realizar cortes no fornecimento de gás para o restante da Europa, mas os custos para isso ocorrer serão altos. O primeiro aspecto é que as metas da redução de gases de efeito estufa ficaram para segundo plano, muitos países estão voltando a gerar energia através do carvão. Outra possibilidade estão sendo os investimentos em usinas nucleares e a exportação de GNL (gás natural liquefeito) dos Estados Unidos. Embora, todas essas alternativas sejam viáveis, elas possuem altos custos, principalmente em investimentos nas usinas nucleares e terminais do gás liquefeito, o que faz a economia europeia estagnar por mais tempo, visto que ao lidar com a crise energética é necessária a realocação de recursos.

Um estudo realizado pelo Banco Nacional Suíço em 2023 mostrou que desde o início do conflito Rússia-Ucrânia, a economia europeia vem retraindo e acarretando um aumento inflacionário em todo o continente, em suma nos preços da energia. Isso pode ser visto, conforme disposto no gráfico 1, como a Guerra da Ucrania afetou o processo de recuperação desses países da crise sanitária do Covid-19.

Gráfico 1 – Desempenho econômico nas principais economias europeias 

Fonte:Banco Mundial (2024). Elaboração própria.

Afora a perda do crescimento potencial do Produto Interno Bruto (PIB), como visto no gráfico 1, fruto da perca do dinamismo das atividades produtivas e de serviços no continente, outros mercados também sofreram sérias instabilidades, como o financeiro. Dentre estes, os piores impactos para o continente europeu está a queda na produção e o aumento nos preços repassados para os consumidores, o que acaba por agravar a dinâmica inflacionária na região, como poder ser observado, a seguir, no gráfico 2.

Gráfico 2 – Índices de inflação nas principais economias europeias

Fonte: Banco Mundial (2024). Elaboração própria.

Essa análise realizada na Suíça, e corroborada pelos dados do Banco Mundial, ainda afirma que os efeitos negativos tendem a piorar a médio e longo prazo caso a guerra continue. Além disso, há o fator dos refugiados e aumento com gastos militares, o primeiro aspecto gera gastos a curto prazo com alimentação, alojamento, saúde e educação, mas a longo prazo a tendência é que não sejam significantes levando em consideração o retorno ao país e a possibilidade de integração no mercado de trabalho. Já o segundo ponto é que o aumento com defesa em tempos de guerra é considerável e logo após a eclosão do conflito a União Europeia (EU) liberou de imediato €500 milhões de um pacote de assistência militar para a Ucrânia. Além disso, países europeus passaram a aumentar os gastos orçamentários relativos aos seus respectivos ministérios da defesa.

Ao levar em consideração todos os aspectos citados acima, desde a dependência energética até ao aumento de gastos com refugiados e defesa, demonstra porque a economia europeia está sofrendo esse desaquecimento e demorando para se recuperar da pandemia de Covid-19, que já havia deixado em uma situação complicada a UE. Principalmente, sua maior economia, a Alemanha, que teve seu PIB sofrendo retração no ano de 2023, levando em conta a enorme dependência do gás e petróleo russo somado aos cortes em investimentos estrangeiros diretos desde 2022, esse país vem sofrendo um processo de desindustrialização. O que afeta diretamente toda a União Europeia, por se tratar da maior força no bloco.      

II. Desafios econômicas para as empresas europeias

Ao apresentar todas as dificuldades econômicas que a Europa vem sofrendo no tópico anterior, torna-se necessário apresentar como ficam as empresas europeias em meio a toda essa situação. Desde o início do conflito muito se é cobrado de empresas, principalmente privadas, que haja sanções contra a Rússia devido ao ataque aos ucranianos, no entanto, todas as empresas que realizaram essas “punições” acabaram tendo perdas multimilionárias.

Dentre essas organizações, as que mais perderam foram as energéticas, devido à diminuição ou encerramento de suas relações com corporações russas do setor petrolífero e energético, resultando na perda de uma parte significativa de seus compradores ou fornecedores. Tal fato levou essas companhias europeias a buscarem por novas alternativas na produção de energia, exigindo grandes investimentos nessa área, além da necessidade de encontrar novos fornecedores. Devido à incerteza nesses mercados por conta do conflito, houve uma grande volatilidade nos preços. Estima-se que o prejuízo de contratos foi em torno de €40,6 bilhões, alguns dos principais nomes afetados nesse meio são a BP, a Shell e a TotalEnergies que acabaram sendo atingidas pelo aumento nos preços do petróleo e gás decorrentes dos cortes de fornecimento russos.

É importante ressaltar que não foram apenas as companhias energéticas que sofreram perdas, os serviços públicos tiveram um impacto de 14,7 bilhões de euros, e as indústrias de modo geral, dentre elas os fabricantes de carros, deixaram de ganhar 13,6 bilhões de euros e as corporações financeiras como bancos, seguradoras e empresas de investimento lucraram €17,5 bilhões a menos. Contudo, a Financial Times explica que mais de 50% das empresas europeias que atuavam na Rússia antes do confronto militar continuam no país e, segundo o FMI empresas como a italiana UniCredit, a austríaca Raiffeisen, a suíça Nestlé e a inglesa Unilever cresceram 1,5% em 2023.

Ainda assim, muitos países perderam muito e os que mais sofreram as consequências foram a Grã-Bretanha, a França, a Itália, a Irlanda e a Dinamarca. Outro aspecto importante é que toda a União Europeia está sofrendo com sua produção industrial diminuindo, segundo a agência de estatísticas da UE, a queda foi de 1,3% nesse setor entre fevereiro de 2022 e março de 2023. Sendo o declínio mais considerável na Alemanha, pois era a energia russa que abastecia suas indústrias.   

III. Produtos agrícolas ucranianos e as tensões na União Europeia

Demonstrada as dificuldades econômicas dentro da Europa, é necessário apresentar outro problema decorrente de fatores econômicos e da guerra, sendo eles os grãos e oleaginosas exportados pela Ucrânia. Toda essa situação tem seu início quando a Rússia em julho de 2023, saiu de um acordo que permitia que os grãos ucranianos continuassem a embarcar em segurança nos portos do país no Mar Negro. Um adendo importante é que juntas a Rússia e a Ucrânia representam um terço da produção de trigo e cevada do mundo, tendo o conflito em si, acarretado um aumento nos preços em escala mundial devido à falta desses produtos. Contudo, com esse bloqueio nos portos a Ucrânia precisou recorrer a rotas terrestres de comércio, sendo a principal delas países membros da União Europeia.

 O maior problema decorrente desse caso é que a UE isentou esses grãos de taxas alfandegárias, tornando o produto ucraniano mais barato que os locais, tendo início então uma cobrança dos agricultores locais que estavam sentindo-se lesados. Dentre os países mais afetados com a situação estavam a Bulgária, a Hungria, a Polônia, a Romênia e a Eslováquia, em uma tentativa de evitar que esses Estados-Membros fossem prejudicados a UE autorizou em maio de 2023 uma proibição da venda doméstica do milho, trigo e oleaginosas da Ucrânia. Esse impedimento inicialmente iria até o dia 5 de julho, mas acabou sendo prorrogado por pressão desses cinco países até 15 de setembro. O acordo era de que a venda estava proibida, porém o trânsito para a exportação deveria continuar. Ao chegar ao fim dessa restrição comercial a Polônia, a Eslováquia e a Hungria optaram por violar a legislação da UE e manter de forma unilateral essa interdição, isso se deu, pois, a maioria dessas nações estavam em períodos eleitorais e resolveram tomar partido dos seus produtores locais e suas economias, visando as reeleições.

Mesmo em 2024, tal conflito entre os países do leste europeu e a Ucrânia não teve fim, em fevereiro deste ano, agricultores poloneses em forma de protesto destruíram uma carga ucraniana com cerca de 160 toneladas em uma das suas estações ferroviárias. Os protestos são baseados em uma concorrência desleal devido a suspensão dos impostos sobre os grãos da Ucrânia. Além dos agricultores europeus terem que se submeterem às regulamentações ambientais da UE e a competição com esses grãos concorrentes que antes quase não existiam dentro da Europa, passando a ocorrer com o bloqueio dos portos da Ucrânia.  

IV. Incoerência europeia frente a Guerra da Ucrânia

Por fim, é perceptível observar que o conflito Rússia-Ucrânia está trazendo sérias desavenças dentro da Europa, levando até a um aumento da  xenofobia decorrente dessa competição de grãos. Contudo, a UE ainda se mostra apoiadora dos ucranianos e em 2023 aceitou abrir as negociações para a adesão da Ucrânia ao bloco, mas não foi uma decisão consensual. A União Europeia ao invés de mostrar uma frente unida diante desse conflito que tanto está afetando o continente, precisou que o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, se reunissem com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, para convencê-lo a não vetar a proposta. Após muita discussão e a decisão de Orbán vetar, o chanceler alemão precisou dar a sugestão de que ele se ausentasse da sala para não precisar votar e ainda sim, ele só fez isso após a UE liberar para a Hungria um financiamento de 10,2 bilhões de euros.

Mas ainda assim, após o anúncio das negociações com a Ucrânia, o primeiro-ministro fez questão de deixar claro seu posicionamento contra e declarou ser “uma decisão completamente sem sentido, irracional e incorreta […] A Hungria não mudará sua posição.”. Mesmo após permitir essa situação, quando foi posto em voto um pacote de ajuda multimilionário para Kiev, Orbán optou por vetar.

Diante de todo esse caso, pode-se concluir que está havendo uma falta de coesão das decisões da União Europeia, que como o bloco que é, deveria mostrar-se como uma frente unida e com consenso perante o conflito. Sendo então necessário que passem a se unir e agir de forma condizente para garantirem a segurança e prosperidade do continente europeu, a fim de que a guerra chegue ao fim e pare de trazer tantas consequências danosas à Europa como foi possível observar ao longo do texto.

V. Referência

BANCO MUNDIAL. GDP growth (annual %) – Germany, Spain, France, Netherlands, Italy, United Kingdom, Sweden. BANCO MUNDIAL, 2024. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=DE-ES-FR-NL-IT-GB-SE. Acesso em: 13 abr. 2024. 

BANCO MUNDIAL. Inflation, consumer prices (annual %) – Germany, Spain, France, Netherlands, Italy, United Kingdom, Sweden. BANCO MUNDIAL, 2024. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/FP.CPI.TOTL.ZG?end=2022&locations=DE-ES-FR-NL-IT-GB-SE&start=2017. Acesso em: 13 abr. 2024. 

EUROSTAT. Industrial production down by 3.2% in the euro area and by 2.1% in the EU. EUROSTAT, 2024. Disponível em: https://www.google.com/url?q=https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-euro-indicators/w/4-13032024-ap&sa=D&source=docs&ust=1716869485336824&usg=AOvVaw0UGJ89oVLBuriQWgOWwNlU. Acesso em: 13 abr. 2024. 

FERRY-Pisani, Jean. The economic policy consequences of the war. Bruegel, 2022. Disponível em: https://www.bruegel.org/blog-post/economic-policy-consequences-war. Acesso em: 13 abr. 2024. 

FRATER, James; MCGEE, Luke; KNIGHT, Mariya. Hungria bloqueia tentativa de ajuda financeira da UE à Ucrânia. CNN, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/hungria-bloqueia-tentativa-de-ajuda-financeira-da-ue-a-ucrania/#:~:text=Os%20l%C3%ADderes%20europeus%20concordaram%20em,de%20um%20bloqueio%20da%20Hungria. Acesso em: 14 abr. 2024. 

HOLLINGER, Peggy; SUGIURA, Eri; TELLING, Oliver. European companies suffer €100bn hit from Russia operations. Financial Times, 2023. Disponível em:  https://www.ft.com/content/c4ea72b4-4b02-4ee9-b34c-0fac4a4033f5. Acesso em: 13 abr. 2024.

JENKINS, Brian Michael. Consequences of the War in Ukraine: The Economic Fallout. Rand, 2023. Disponível em: https://www.rand.org/pubs/commentary/2023/03/consequences-of-the-war-in-ukraine-the-economic-fallout.html. Acesso em: 13 abr. 2024.

LENNON, Seane. Como a proibição da Europa Central afeta as exportações de grãos ucranianos? Agrolink, 2023. Disponível em: https://www.agrolink.com.br/noticias/como-a-proibicao-da-europa-central-afeta-as-exportacoes-de-graos-ucranianos-_482230.html. Acesso em: 13 abr. 2024. 

DW. Líderes da UE aprovam negociações para adesão da Ucrânia. DW, 2023. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/l%C3%ADderes-da-ue-aprovam-negocia%C3%A7%C3%B5es-para-ades%C3%A3o-da-ucr%C3%A2nia/a-67726487. Acesso em: 14 abr. 2024. 

LLOYD, Naomi; ROCHER, Mathieu; WEINERT, Frank. O impacto da guerra na Ucrânia na Economia Europeia. Euronews, 2022. Disponível em: https://pt.euronews.com/business/2022/06/08/o-impacto-da-guerra-na-ucrania-na-economia-europeia#:~:text=Espera%2Dse%20uma%20infla%C3%A7%C3%A3o%20m%C3%A9dia,%2C%20de%206%2C1%25.&text=A%20guerra%20est%C3%A1%20a%20prejudicar,da%20UE%20do%20que%20outras. Acesso em: Acesso em: 13 abr. 2024.  

MATOS, Fábio. Declínio da economia alemã acende alerta na Europa (e no mundo). Metrópoles, 2023. Disponível em: https://www.metropoles.com/negocios/declinio-da-economia-alema-acende-o-alerta-na-europa-e-no-mundo. Acesso em: 13 abr. 2024. 

REUTERS. Ucrânia pede que Polônia puna responsáveis por derramamento de grãos ucranianos. Terra, 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/mundo/ucrania-pede-que-polonia-puna-responsaveis-por-derramamento-de-graos-ucranianos,a0b7b2efde846cd5909bdda496b08b7byf8t0lsn.html?utm_source=clipboard. Acesso em: 13 abr. 2024.

RIEGERT, Bernd; LEPIARZ, Jacek; SCHWARTZ, Robert. Por que alguns países da UE vêm barrando grãos ucranianos? DW, 2023. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/por-que-alguns-pa%C3%ADses-da-ue-v%C3%AAm-barrando-gr%C3%A3os-ucranianos/a-66886985. Acesso em: 13 abr. 2024.   

REUTERS. Ukraine war expected to have bigger impact on European economies – Swiss study. Reuters, 2023. Disponível em: https://www.reuters.com/world/europe/ukraine-war-expected-have-bigger-impact-european-economies-swiss-study-2023-09-22/. Acesso em: 4 abr. 2024. 


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: mariaed.maia21@gmail.com

3.4 A ineficácia das sanções à Rússia

Autor: Francinne Willon

Data de publicação: 28/05/2024

Revisores: Richard Rodrigues e Mell Monteiro

I – Qual é a necessidade de realizar sanções à Rússia?

Desde o início do conflito entre Ucrânia e Rússia, muito governos, entre eles Estados Unidos (EUA) e União Europeia (EU), anunciaram sanções a Rússia visando limitar os fluxos de comércio do país. A finalidade dessas sanções é vista como uma forma de promover uma redução da Rússia no mercado internacional. No mesmo período, como uma forma de retaliação, Moscou adotou medidas para reagir às sanções, como também para impedir que ocorresse uma crise financeira no país. 

Em 2022 as sanções foram realizadas pelos governos dos EUA e EU com o intuito de limitar as exportações russas e impactar diretamente o acesso do país à tecnologia de ponta. Assim, foram realizadas suspensões nas importações de petróleo, rebaixamento de status comercial, isolamento do setor financeiro, veto a exportações, além de sanções diretas ao Banco Central da Rússia. Por outro lado, a Rússia adotou medidas que se concentram na necessidade de conter uma desvalorização da própria moeda, por meio de saída de dólares do país, via aumento das taxas de juros, e como efeito teve-se uma “corrida por dólar” da população russa.

II – Como as sanções têm impactado a economia russa?

Passados mais de 2 anos de guerra, a Rússia ainda não apresenta sinais de desistência em suas investidas na Ucrânia. Como consequência, já foram impostas mais de 16,5 mil sanções à Rússia pelos EUA, UE, Reino Unido, Canadá, Japão e Austrália. Todavia, Vladimir Putin afirma que as sanções feitas à Rússia não estão causando danos, argumenta ainda que a economia do país conseguiu crescer enquanto da UE sofreu queda.

A Rússia vem utilizando sua aproximação comercial com China, Índia, e Coreia do Norte para exportar e importar suprimentos necessários a saúde econômica do país. De acordo com a agência internacional de energia, o país exporta 8,3 milhões de barris de petróleo por dia. Para as questões de tecnologia, a China vem sendo sua maior aliada com a venda de chips e outros aparelhos necessários para a manutenção da produção militar russa.

Opondo-se as expectativas esperadas das sanções impostas a Rússia o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou, em 2023, que a economia russa cresceu mais rapidamente que todo o G7 no ano passado. Isto pois, as exportações de petróleo permaneceram estáveis e os gastos públicos, em especial o setor militar, permaneceram elevados, de maneira que contribui significativamente com o crescimento do PIB russo. Abaixo o gráfico 1 mostra a elevação do PIB, em porcentagem, no ano de 2023 da Rússia em relação aos países que compõe o G7.  

Gráfico 1 – Crescimento do PIB dos países do G7 em 2023

Fonte: FMI (2024). Elaboração própria.

Entretanto, um aumento no PIB russo não significa dizer que a Rússia apresenta melhoras qualitativas para a população residente, ao contrário, o Tesouro dos EUA afirmou que as investidas contra a Ucrânia já fizeram com que mais de um milhão de pessoas deixasse a Rússia. Além disso, como forma de financiar a guerra na Ucrânia a Rússia vem cortando gastos em setores essenciais, como o setor da saúde, o que impacta diretamente nas pequenas cidades do país.  

III – Por que as sanções não estão funcionando?

Pelo exposta acima fica perceptível que por mais que as sanções estejam sendo fortemente aplicadas à Rússia os impactos não estão apresentando resultados como o esperado, e pode ser argumentado que as exportações de petróleo podem ser o grande motivo. Isto pois, com a parceira indiana as vendas de petróleo bruto bateram recorde em 2023, promovendo um balanceamento as sanções ocidentais.

Essa venda de petróleo é uma estratégia da Rússia para garantir crescimento econômico, pois fazendo uso da sua relação com a Índia o país garante o acesso a rotas marítimas com grandes volumes para o exterior, conhecida como “frota sombra”. O gráfico 2, abaixo, mostra as receitas mensais da Rússia pela exportação de petróleo em comparação com 2022 e 2023.

Gráfico 2 – Diminuição das receitas da Rússia na exportação de petróleo de 2023 em relação a janeiro e fevereiro do ano anterior.

Fonte: Conselho Europeu (2024); Agência Internacional da Energia (2024). Elaboração própria.

Segundo o Conselho Europeu o gráfico de barras mostra a evolução das receitas mensais geradas pelas exportações de petróleo, e em janeiro de 2023, as receitas diminuíram 26,9% (em comparação com janeiro de 2022). Em fevereiro de 2023, as receitas diminuíram 41,7% (em comparação com fevereiro de 2022).

É por meio da frota sombra que a Rússia conseguiu criar uma estrutura marítima paralela que lhes dá poder de mudanças táticas, ou seja, eles conseguem lograr das sanções ocidentais.

Para além disso, ainda ocorre uma manutenção “forçada” das empresas ocidentais na Rússia em que com mais de 2 anos de guerra tornou-se mais caro e complexo sair do país ao passo que ficar se tornou mais arriscado, de acordo com Hanna Ziady da CNN. As multinacionais que ficaram estão cada vez com maiores problemas para sair da Rússia, algumas argumentam que ficam por preocupações com o bem-estar dos funcionários, outras com as obrigações com seus parceiros locais.

A Rússia adotou como estratégia o impedimento das multinacionais ao acesso aos “bilhões de dólares em lucros”, essa medida é uma resposta as sanções impostas pelos outros governos. Tal medida proporciona um aumento na rentabilidade financeira do país, como em 2022, aonde foram cerca de mais de US$ 20 bilhões.

Portanto, verifica-se que mesmo com o passar dos anos a guerra na Ucrânia tem se mostrado positiva para a economia russa, mesmo com todas as sanções impostas e suas perdas internas. Já em contrapartida, para a Ucrânia a guerra tem gerado grandes problemas financeiros e econômicos, bem como milhares de perdas civis.

Referências Bibliográficas

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BBC. Guerra na Ucrânia: as novas sanções contra a Rússia — e como a estratégia está afetando economia do país. BBC News Brasil, 2024. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cjk6dkke58zo>. Acesso em: 28 maio 2024.

BLOOMBERG INVESTIGATES. A Frota Sombria que está Abastecendo a Guerra da Rússia | Bloomberg Investigates. [s.l.: s.n.], 2023. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Azm4yKKIlqE>. Acesso em: 28 maio 2024.

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LIBOREIRO, Jorge. De quanta ajuda ocidental precisa a Ucrânia para manter a economia? euronews, 2024. Disponível em: <https://pt.euronews.com/my-europe/2024/01/30/de-quanta-ajuda-ocidental-precisa-a-ucrania-para-manter-a-economia-a-tona>. Acesso em: 28 maio 2024.

Martinez, Fernanda; Matos, Thaís. Guerra econômica: como funcionam as sanções contra a Rússia – e como o país tenta superá-las. G1, 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/01/guerra-economica-como-funcionam-as-sancoes-contra-a-russia-e-como-o-pais-tenta-supera-las.ghtml>. Acesso em: 28 maio 2024.

ZIADY, Hanna. Por que tantas empresas ocidentais permanecem na Rússia mesmo com altos riscos. CNN Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/por-que-tantas-empresas-ocidentais-permanecem-na-russia-mesmo-com-altos-riscos/>. Acesso em: 28 maio 2024.


Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato: francinne.willon@outlook.com.

3.5 A importância da ajuda econômica internacional à Ucrânia

Autor: Mell Monteiro
Data de publicação: 30/04/2024

Revisor: Richard Rodrigues

I. Valores Cedidos a Kiev

Os auxílios internacionais são essenciais para países em guerra, desempenhando um papel importante na mitigação das baixas econômicas e sociais que assolam aqueles que estão envolvidos no conflito. Partindo desse princípio, será apresentado a seguir os esforços concedidos pelos países/organizações internacionais que se comoveram e disponibilizaram recursos para Ucrânia, em razão da Guerra que o país enfrenta desde a invasão Russa em fevereiro de 2022.

O número total de acordos de curto prazo e plurianuais para ajudar a Ucrânia atingiu € 242 bilhões, de acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial, desde o início da guerra até janeiro de 2024. Segundo dados fornecidos pela BBC, em 2022, a Ucrânia recebeu quase US$ 32 bilhões de parceiros internacionais, enquanto até o final do ano em 2023, foram distribuídos por volta de US$ 37,5 bilhões em auxílios.

No ano de 2023 a União Europeia foi quem mais se destacou como prestador de auxílios econômicos ao país, de onde vieram quase US$ 18 bilhões. Ultrapassando os Estados Unidos, o principal apoiador financeiro no primeiro ano de guerra, que enviou quase US$ 11 bilhões em 2023 (contra US$ 12 bilhões em 2022). Outros doadores incluem Canadá (US$ 1,757 bilhão), Japão (US$ 3,626 bilhões) e Reino Unido (US$ 998 milhões), bem como o FMI (US$ 4,475 bilhões) e o Banco Mundial (US$ 660 milhões).

Entretanto, de acordo com o Ukrinform, a Estônia, a Dinamarca, a Noruega, a Lituânia e a Letônia lideram os compromissos totais de ajuda à Ucrânia quando medidos em relação ao PIB dos seus países. Sendo que, em janeiro, o volume total dos compromissos plurianuais e de curto prazo para fornecer assistência à Ucrânia eram de: Estônia – 3,5% do seu PIB, Dinamarca – 2,41%, Noruega – 1,72%, Lituânia 1,54%, Letônia 1,15%, Finlândia 0,71%, Polônia 0,69% e Países Baixos 0,67%.

Gráfico 1: Os maiores financiadores da Ucrânia

Fonte: Site BBC News (2023)

Gráfico 2: Auxílio europeu à Ucrânia

Fonte: Ukrinform (2024). Elaboração própria.

Ainda não é possível encontrar dados concretos sobre a soma dos auxílios recebidos em 2024, mas, neste 20 de abril, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou um projeto de lei para fornecer à Ucrânia US$ 60,8 bilhões de auxílio até o segundo semestre de 2025. Tal projeto planeja que S$ 13,8 bilhões desta ajuda a Kiev seja destinada à compra de armas e equipamentos, outros US$ 13,4 bilhões para substituir e reparar armas já transferidas para a Ucrânia, e para fornecer treinamento aos seus militares, por volta de US$ 23,2 bilhões estão planejados para reabastecerem os estoques de armas americanos, além de US$ 7,85 bilhões em empréstimos.

Ademais, em janeiro e fevereiro de 2024, os países europeus destinaram para auxílio a Ucrânia um total aproximado de 6 mil milhões de euros, quase totalmente voltado para uso militar. Somado a isso, a Fitch Ratings prevê que a ajuda financeira oferecida para a Ucrânia continue significativa em 2024-2025, mesmo passando por certa diminuição de, respectivamente, US$ 38,5 bilhões e US$ 25,0 bilhões.

II. Auxílios não-financeiros

Além dos valores enviados a Ucrânia, existem outros auxílios internacionais que estão sendo prestados ao país, como, por exemplo, o envio de gasolina, treinamento militar, armas, e apoio dos vizinhos em receber seus refugiados.

Por exemplo, a União Europeia como organização e seus países membros, calculam que o envio armas letais, equipamentos de proteção e combustível poderiam ser convertidos em 5,6 bilhões de euros. Além de que, os Estados-Membros gastaram certa de 21,4 bilhões em entregas de armas e equipamentos militar advindos de seus próprios fundos, de acordo com a Comissão Europeia.

Outrossim, ainda se é enviado equipamento de diversos países para a Ucrânia, como, por exemplo, o acordo apresentado pelo primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Store, no final do ano passado, prometendo a transferência de 5 a 10 aeronaves F-16 para a Ucrânia, ou ainda os Estados Unidos, que cederam armas e equipamentos suficientes para chegar no valor de 25,3 bilhões de dólares de acordo com o Council on Foreign Relations.

III. A dependência ucraniana

Logo, levando em consideração os dados apresentados, é perceptível a dependência ucraniana em relação aos seus apoiadores. De acordo com o ISW, o fim do apoio que está sendo oferecido à Ucrânia retiraria suas capacidades de resistências aos ataques Russos, e o resultado não seria a continuação da atual guerra, mas sim a abertura de oportunidades para os russos renovarem ofensivas mecanizadas em larga escala com boas perspectivas de sucesso. A guerra não é um impasse estável, com o país sofrendo perdas populacionais e econômicas quase regularmente. Nessa ótica, caso ele perca seus aliados e, por consequência, esses auxílios, a esperança de uma possível vitória seria cada vez mais e mais distante.

IV. Referências

BILOUS, Oleksandr. Ajuda internacional à Ucrânia não vai diminuir: Fitch deu previsão para 2024. RBC-Ucrânia, 2023. Disponível em: https://www.rbc.ua/rus/news/ibragimovich-ofitsiyno-povernuvsya-milan-1702299087.html. Acesso em: 25 abril. 2024.

BOJANOWICZ, Roma. Os dinamarqueses ficarão sem apoio suficiente da força aérea. Ainda assim, a Ucrânia receberá F-16 a tempo. Forsal.Pl, 2023. Disponível em: https://forsal.pl/swiat/ukraina/artykuly/9292902,dunczycy-pozostana-bez-wystarczajacego-wsparcia-sil-powietrznych-mimo.html. Acesso em: 26 abril. 2024.

BOMPREZZI, Pietro; KHARITONOV, Ivan; TREBESCH, Christoph. Ukraine Support Tracker. Kiel institute for the world economy, 2024. Disponível em: https://www.ifw-kiel.de/topics/war-against-ukraine/ukraine-support-tracker/. Acesso em: 26 abril. 2024.

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KIREEV, Nikolai. Quanto e de quem a Ucrânia recebeu ajuda em 2023?. Finance.ua, 2024. Disponível em: https://finance.ua/ua/goodtoknow/dopomoga-ukraini-2023. Acesso em: 25 abril.2024.

MASTERS, Jonathan; MERROW, Will. How Much Aid Has the U.S. Sent Ukraine? Here Are Six Charts. CFR, 2024. Disponível em: https://www.cfr.org/article/how-much-aid-has-us-sent-ukraine-here-are-six-charts. Acesso em: 25 abril. 2024.

O GLOBO. Novo pacote dos EUA ajuda, mas não resolve problemas da Ucrania contra a Rússia, entenda o caso. O GLOBO, 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/04/24/novo-pacote-dos-eua-ajuda-mas-nao-resolve-problemas-da-ucrania-contra-a-russia-entenda.ghtml. Acesso em: 25 abril. 2024.

TOBELEM, Boran. Guerra na Ucrânia: quanto de ajuda a União Europeia recebeu desde 2022?. Touteleurope.eu, 2024. Disponível em: https://www.touteleurope.eu/l-ue-dans-le-monde/guerre-en-ukraine-quels-sont-les-montants-des-aides-de-l-union-europeenne-depuis-un-an/. Acesso em 26 abril. 2024.

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SITA. Haverá uma manifestação de protesto em Bratislava pedindo mais ajuda à Ucrânia. 2022. Disponível em: https://sita.sk/v-bratislave-bude-protestne-zhromazdenie-stop-ruskemu-teroru-a-za-intenzivnejsiu-pomoc-ukrajine/. Acesso em 24 abril. 2024.

ZANUDA, Anastasia. Guerra em números: como Ucrânia e ucranianos mudaram no último ano. BBC News, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/ukrainian/articles/cv28871qdv8o. Acesso em 25 abril. 2024.

ZANUDA, Anastasia. Uma guerra pela sobrevivência. O que acontecerá com a Ucrânia sem dinheiro ocidental?. BBC News, 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/ukrainian/articles/cn4p6pjjq91o. Acesso em: 26 abril. 2024.


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: mellmonteiro07@gmail.com.

3.6 As implicações da Guerra da Ucrânia ao projeto geopolítico chinês na Ásia

 Autor: Débora Severiano
Data de publicação: 18/08/2024

Revisores: Richard Rodrigues e Laura Maria Arruda Schanuel Mendes

Desde o início da guerra na Ucrânia em 2022, a aproximação entre China e Rússia tem se intensificado de forma significativa. Esse movimento foi impulsionado pelas sanções econômicas do Ocidente e pelo isolamento internacional imposto à Rússia em resposta à sua invasão à Ucrânia. Assim, a crescente colaboração entre Pequim e Moscou é evidenciada por diversos fatores, incluindo o aumento das transações comerciais bilaterais, o fortalecimento da influência chinesa na Ásia Central e as implicações para a dinâmica de poder na região, especialmente em relação à questão de Taiwan.

I – Contexto Histórico das Relações Sino-Russas

Historicamente, as relações entre China e Rússia têm sido complexas, caracterizadas por períodos de rivalidade e cooperação. Durante a Guerra Fria, inicialmente ambos os países eram aliados, mas divergências ideológicas levaram a tensões significativas que resultaram no rompimento sino-soviético em fins da década de 1960. No entanto, após o colapso da União Soviética, a Rússia e a China voltaram a reaproximar suas relações diplomáticas e comerciais – em parte motivadas pelo desejo de contrabalançar a influência ocidental na região – com a solidificação dessa parceria ocorrendo com a assinatura do Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação em 2001.


A ascensão da China como uma potência econômica global e a recuperação da Rússia sob a liderança de Vladimir Putin resultou em um estreitamento de laços entre os dois países, havendo, pelo menos em partes, um compartilhamento de objetivos políticos e econômicos entre Moscou e Pequim. Em função disso, a cooperação em áreas como energia, defesa e comércio tem se aprofundado ao longo dos anos, preparando o terreno para a aliança que se intensificou com o advento da guerra na Ucrânia.

II – O Impacto da Guerra na Ucrânia

A guerra na Ucrânia atuou como um catalisador para a cooperação sino-russa. As sanções econômicas impostas à Rússia, que resultaram na exclusão do país de mercados financeiros ocidentais e na limitação do comércio, forçaram Moscou a buscar novos parceiros comerciais. A China, por sua vez, estava pronta para aproveitar essa oportunidade. De acordo com a CNN Brasil, a China viu um aumento substancial nas transações comerciais com a Rússia, tornando-se o principal fornecedor de automóveis, roupas e matérias-primas para Moscou.


O comércio bilateral entre os países atingiu um valor recorde de 190 bilhões de dólares em 2022, representando um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Em 2023, esse número continuou a crescer, alcançando 240 bilhões de dólares. Este crescimento pode ser observado no gráfico abaixo, que ilustra a evolução das transações comerciais ao longo dos anos:

Comércio bilateral entre Rússia e China (em bilhões de dólares)

Fonte: Whang (2023). Elaboração própria

Esse panorama agravou a dependência da Rússia, em relação à China, para a exportação de seus recursos naturais, como petróleo e gás natural. A China, por outro lado, com suas vastas reservas financeiras, tornou-se o principal comprador de produtos russos, garantindo acesso a matérias-primas tão vitais à sua economia industrial.

III – Fortalecimento da Influência Chinesa na Ásia Central
A somatória da crescente dependência comercial russa com a economia chinesa e diminuição da capacidade de atuação de Moscou fora de teatros geopolíticos que não estejam envolvidos diretamente na Guerra da Ucrânia, já resulta em um aumento da influência chinesa em regiões consideradas vitais para o interesse nacional russo.


A Ásia Central, historicamente considerada uma área de influência russa, tem se tornado um ponto focal da competição geopolítica entre China e Rússia. A localização estratégica da região, com suas vastas reservas energéticas, a torna um alvo atrativo para a China, que busca diversificar suas fontes de energia e expandir sua influência econômica.


A Iniciativa Belt and Road (Nova Rota da Seda) é um exemplo claro do papel crescente da China na Ásia Central, que remonta antes mesmo da deflagração da Guerra da Ucrânia. Lançada em 2013, essa iniciativa visa conectar a China a diversas regiões do mundo através de uma extensa rede de comércio, investimentos e infraestrutura, facilitando o comércio chinês não só com a Ásia Central, mas também na Europa, no Oriente Médio e na África.


O conflito na Ucrânia teve consequências significativas para a posição da Rússia na região, gerando um enfraquecimento do poder projetado pelos russos na Ásia Central, abrindo espaço para a expansão da influência chinesa. Pequim tem aprofundado seus laços econômicos e políticos com os países da região, o que fortalece sua posição como potência regional. Além disso, a expansão chinesa na Ásia Central permite à China diversificar seus parceiros energéticos, garantindo acesso a recursos essenciais para seu crescimento econômico, tornando, inclusive, o país menos dependente do comércio bilateral com a Rússia em commodities energéticas.


A prioridade de Vladimir Putin, desde a invasão da Ucrânia, tem sido realizar investimentos na economia de guerra do seu país, desviando atenção e recursos de outras áreas. Agregado a isso, as sanções econômicas e a guerra dificultam o acesso da Rússia a tecnologias e investimentos estrangeiros, prejudicando sua capacidade de oferecer benefícios econômicos aos parceiros na Ásia Central e de influenciar os acontecimentos na região.

IV – Consequências para a Estrutura de Poder na Ásia
Assim, a crescente colaboração entre China e Rússia pode ter consequências profundas para a estrutura de poder na Ásia, não só enfraquecendo a liberdade de ação russa, como também por gerar um maior espectro de possibilidade de ações da China. Soma-se a isso que a formação de um bloco mais coeso entre Pequim e Moscou dois desafia a influência ocidental na região e pode levar a uma nova configuração geopolítica na Ásia.


A percepção de uma aliança sino-russa forte e coesa pode alterar a dinâmica da disputa entre China e Taiwan. Com o fortalecimento de sua posição na Ásia Central e o crescente apoio russo, a China pode se sentir mais confiante para realizar ações mais assertivas em relação a Taiwan e o restante sudeste asiático, aumentando potencialmente as tensões na região. Essa aliança pode levar a uma reavaliação das estratégias de defesa por parte de países vizinhos e aliados ocidentais, com estes buscando criar um novo equilíbrio de poder favorável ao ocidente na Ásia.


A aproximação entre China e Rússia também é observada com cautela por outros atores internacionais, incluindo os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia. Os Estados Unidos têm expressado preocupações sobre a crescente cooperação entre os dois países e a possibilidade de um bloco sino-russo desafiando a ordem internacional estabelecida.


A União Europeia, por sua vez, está atenta ao aumento das transações comerciais entre China e Rússia, especialmente no contexto das sanções. A relação mais próxima entre os dois países inibe os esforços da UE para isolar a Rússia economica e politicamente. A Índia, apesar de ter uma parceria estratégica em temáticas comerciais e securitárias com a Rússia, tem buscado equilibrar suas relações com a China e o Ocidente, dada a crescente influência chinesa na região. Essa dinâmica pode influenciar as estratégias de defesa e os alinhamentos geopolíticos na Ásia.

V – Implicações Finais
A aproximação entre China e Rússia, acelerada pela guerra na Ucrânia, representa uma mudança significativa na dinâmica geopolítica da Ásia. O aumento das transações comerciais, o fortalecimento da influência chinesa na Ásia Central e as implicações para a estrutura de poder na região são elementos que moldam essa nova realidade. A aliança sino-russa não apenas desafia a hegemonia ocidental, mas também tem o potencial de criar um novo equilíbrio de poder na Ásia. À medida que ambos os países buscam um sistema internacional multipolar, as consequências dessa relação se estenderão além das fronteiras da Ásia, afetando a ordem global.


Com a formação de um bloco sino-russo mais coeso, a dinâmica de poder na Ásia está em transformação e as tensões em relação a Taiwan podem aumentar. A resposta de outros atores internacionais, como os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia, será crucial para moldar o futuro dessa relação e suas implicações globais.

IV. Referências
BRAUN, Julia. BBC NEWS BRASIL. China e Rússia: principais dados comerciais de 2023. BBC News Brasil, 27 jan. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1dxekp22peo. Acesso em: 18 ago. 2024.

WHANG. Philip. CNN BRASIL. China vê aumento comercial com a Rússia em 2023, mostram dados da alfândega chinesa. CNN Brasil, 11 ago. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/china-ve-aumento-comercial-com-a-russia-em-2023-mostram-dados-da-alfandega-chinesa/. Acesso em: 18 ago. 2024.

REUTERS. China-Rússia: valor do comércio atinge recorde de US$ 240 bilhões em 2023. Reuters, 12 jan. 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/markets/china-russia-2023-trade-value-hits-record-high-240-bln-chinese-customs-2024-01-12/#:~:text=China%2DRussia%20dollar%2Ddenominated%20trade,China’s%20General%20Administration%20of%20Customs. Acesso em: 18 ago. 2024.

ACESSA.COM. China recebe líderes da Ásia Central para ocupar vácuo deixado pela Rússia. Acessa.com, 5 mai. 2023. Disponível em: https://www.acessa.com/mundo/2023/05/148588-china-recebe-lideres-da-asia-central-para-ocupar-vacuo-deixado-pela-russia.html. Acesso em: 18 ago. 2024.

CHINA.ORG.BR. A grande estratégia chinesa: resultados da cúpula China-Ásia Central e o reordenamento eurasiático. China.org.br, 23 jun. 2023. Disponível em: https://china.org.br/a-grande-estrategia-chinesa-resultados-da-cupula-china-asia-central-e-o-reordenamento-eurasiatico/. Acesso em: 18 ago. 2024.


Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato: deborasuellenf@gmail.com