Autor: Mariana Borges Neres Santana1
Data de Publicação: 30/11/2024
Revisor: Laura Schanuel
I. Introdução
Com a recente integração dos 5 novos países ao BRICS, a África passou de um continente sub representado, o qual a princípio não possuía nenhum país representante, para o segundo continente mais representado no grupo, ficando atrás apenas da Ásia. Essa ampliação tem gerado tanto dúvidas quanto expectativas, especialmente devido à inclusão de economias como Etiópia e Egito, consideradas menos robustas em termos econômicos.
A entrada da própria África do Sul também foi fonte de críticas no seu início. Apesar de ser um marco para a representatividade africana no Sul Global, a escolha foi questionada até mesmo por Jim O’Neill, criador do conceito BRIC, que argumentou que o país não apresentava características econômicas similares aos membros fundadores. Segundo Elton Ribeiro e Rodrigo Moraes (2015), “Jim O’Neill (2011) publicou nota em que, após parabenizar a conquista da África do Sul, deixou explícita sua discordância quanto a ser este um país com perfil próximo dos quatro países BRIC, especialmente se comparado a outros candidatos”.
Diante desse contexto, analisar a presença africana no BRICS é uma peça-chave para compreender tanto as motivações quanto as implicações dessa representatividade. África do Sul, Egito e Etiópia destacam-se por razões geopolíticas e estratégicas que vão além do campo econômico, representando uma inserção africana mais ampla em um bloco que tem se consolidado como uma força revisionista no sistema internacional.
II. BRIC (a evolução do BRICS e a inclusão africana)
Durante a 3° cúpula do BRIC em 2011, a África do Sul ingressou oficialmente ao bloco. A presença de um país do continente africano foi de suma importância para consolidar a razão principal da existência do BRICS, o qual se configura como a representação de uma nova ordem mundial que se opõe ao domínio do Norte Global.
Anterior à inclusão da África do Sul no BRICS, já havia outros fortes concorrentes que possuíam interesse em fazer parte do bloco. Países de economia emergente como Indonésia, México, Turquia e Nigéria, apresentavam bons indicadores econômicos e, em alguns momentos, superiores aos da África do Sul. Como pode ser observado na tabela, o PIB da África do Sul, à época, correspondia a aproximadamente US$ 363 bilhões, valor que é significativamente inferior ao da Indonésia (US$ 708 bilhões), do México (US$ 1.035 bilhões) e da Turquia (US$ 735 bilhões). Somente a Nigéria — com o PIB de US$ 197 bilhões — possuía números mais baixos, entretanto, o país apresentou uma alta taxa média anual de crescimento (9,1%).
Em relação à população, uma vez que o BRIC era reconhecido, também, por seus membros possuírem um elevado número de habitantes. A África do Sul novamente apresentou números consideravelmente inferiores em comparação com os outros candidatos. Na época, a população sul africana correspondia a cerca de 50 milhões de habitantes, enquanto os demais países, com exceção da Turquia que possuía 73 milhões de habitantes, possuíam mais de 100 milhões, ou até mesmo ultrapassando essa marca, como no caso da Indonésia que possuía uma população de 238 milhões de habitantes.
Imagem 1 – Dados Econômicos e Populacionais do BRIC e Países não BRIC Selecionados (2010)
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Os dados da tabela demonstram que a escolha da África do Sul não foi estritamente baseada em indicadores econômicos, haja vista que comparada tanto com os países do BRIC, quanto com os candidatos à entrada, o país apresentava números mais baixos. No entanto, é inegável que a África do Sul possui vantagens geográficas, tendo em vista a sua localização privilegiada, fronteiriça com o Atlântico Sul e com o Oceano Índico, o que torne o país um ponto central estratégico para o comércio global. Ademais, há uma significativa vantagem econômica, uma vez que sua economia, — caracterizada por uma infraestrutura moderna e um setor financeiro sofisticado — posiciona o país como um ator-chave no cenário regional, que exerce uma influência expressiva sobre os demais países africanos. É de suma importância destacar que a África do Sul é um importante investidor estrangeiro na região, com suas multinacionais desempenhando um papel de destaque no cenário global em desenvolvimento.
Entretanto, o principal fator que caracteriza a África do Sul como o país ideal para a representação do continente africano no bloco, é a sua história e cultura únicas. O Apartheid sul africano (1948-1994) foi um marco importantíssimo, tanto na história africana quando mundial. Esse regime político fez com que a África do Sul se tornasse um símbolo de resistência e, consequentemente, a concede um soft power que nenhum outro país africano conseguirá igualar-se.
III. BRICS+ e a nova configuração africana: Etiópia e Egito
Com a recente expansão do bloco, economias divergentes e complexas ingressaram e foram alvos de vários elogios, mas também de várias críticas. Em comparação com os membros fundadores, o Egito e a Etiópia apresentam características únicas que podem tanto complementar quanto desafiar a dinâmica já existente do bloco.
A princípio, com o anúncio da entrada dos novos membros, diversas questões foram levantadas a respeito da postura dos países recém integrados em relação a temáticas de cunho social e de desenvolvimento humano. O Egito, por exemplo, é reconhecido por suas práticas discriminatórias contra minorias sociais. Isso ocorre, muitas vezes, devido a valores e costumes tradicionais e, principalmente, devido a interpretações rigorosas de textos religiosos, mesmo não sendo um Estado teocrático. Essas atitudes são utilizadas na justificativa dos comportamentos discriminatórios, em sua maioria contra a comunidade LGBTQIA+ e as mulheres.
As dificuldades econômicas também se mostraram como um impasse na discussão. Em um estudo comparativo entre o Egito e países do BRICS, sobre as relações entre o desenvolvimento humano e os reflexos no desenvolvimento econômico — publicada pelo Arab Journal of Administration — foi constatada que nos países do BRICS há um desenvolvimento humano e uma inclusão financeira correlacionadas com o desenvolvimento econômico, mesmo com a existência da desigualdade na educação e na renda, que prejudica essa relação positiva. Não obstante, no Egito é clara a propagação da desigualdade na educação e na renda, o que leva o desenvolvimento humano e a inclusão financeira trabalharem em direções opostas, o que gera um impacto negativo no desenvolvimento econômico do país.
Resumidamente, o estudo trouxe que a equidade, principalmente no campo da educação, é de extrema importância para a garantia que o bem-estar social, bem como a participação no mercado financeiro, que contribuem para o desenvolvimento econômico egípcio.
Ainda que essas questões não possam ser diminuídas, é importante destacar que o Egito é uma grande potência no continente. O país ultrapassou a Nigéria e agora é a maior economia africana, com um PIB em termos de paridade de poder de compra de US$ 1,9 bilhões, além de configurar 22,9% de toda a economia da África, como pode ser observado no gráfico abaixo.
Imagem 2 – Porcentagem das maiores economias africanas no PIB-PPP total
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Fonte: Banco Africano de Desenvolvimento, elaboração própria
No ranking do PIB per capita africano, o Egito é o primeiro país que possui uma população significativa, superando os países com populações entre 0,11 e 2,59 milhões de habitantes, com o valor conferindo US$ 17.158,4. Nesse ranking, ele aparece em 5° lugar, atrás apenas de Seicheles (US$ 29.711,9), Ilhas Maurício (US$ 22.246,1), Gabão (US$ 19.546,4) e Guiné Equatorial (18.180,2).
Recentemente, o Egito vem sofrendo com uma inflação que atingiu valores recorde, de 32,8%, além de uma desvalorização da libra egípcia de quase 50% em relação ao dólar. Tais números são reflexos de políticas públicas questionáveis, como cortes nos subsídios a produtos básicos, bem como a priorização de financiamento de projetos feitos em dólares.
Ainda assim, é importante entender que, mesmo com as questões polêmicas e certas dificuldades econômicas, o Egito não pode ser diminuído a um país que não possui forças para agregar positivamente ao BRICS. Além de uma forte relação com o governo chinês, uma vez que esse é o financiador da construção da maior cidade no deserto do Egito, o país é importante também para a economia brasileira. Com um exemplo mais recente, há uma expectativa de uma aprovação do governo egípcio de novos abatedouros e frigoríficos no Brasil para exportação de carne bovina, o que demonstra a importância das relações comerciais entre os dois países e a busca por novas oportunidades de negócios.
Não é possível comentar a presença da Etiópia no BRICS e não mencionar a guerra civil que assola o país há mais de 4 anos, mesmo com um cessar-fogo já assinado. O conflito, que ocorre na região do Tigré, teve seu estopim quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou tropas para a região, a fim de acabar com o governo rebelde que lá se situa. Dados trazem cerca de 400.000 mortos e mais de 2 milhões de civis deslocados. Além dessas perdas, a guerra culminou em uma crise econômica de escassez de reservas internacionais. Essa crise, combinada com um descompasso entre as exportações e as importações, fez com que entre 2018 e 2022, o déficit anual médio em balança comercial fosse de US$ 12,4 bilhões.
Mesmo sendo o menor PIB entre os membros no BRICS e possuir inflação elevada, o país é uma das economias que mais crescem no continente. Isso abre um leque para a promoção do seu desenvolvimento. Carlos Duarte, secretário de África e Oriente Médio do Itamaraty, afirmou que o país tem tido um crescimento econômico forte e significativo, dessa forma, a Etiópia torna-se um país interessante para o desenvolvimento de um comércio com o Brasil.
IV. Conclusão
Diante do exposto, é notória a influência e a importância dos países africanos no atual cenário de expansão do BRICS. Com suas divergências e peculiaridades, cada um desses países apresentam grandes oportunidades de expansão e diálogos proveitosos dentro do bloco. A África do Sul abriu portas para uma visão do continente que não fosse pautada na miséria e exploração. O Egito, uma potência com uma economia bem diversificada, e a Etiópia, com um forte potencial agrícola, são exemplos de como o continente pode contribuir para o crescimento do bloco. A entrada desses novos países, assim como a entrada da Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos, retrata um novo capítulo na história do BRICS, representando adequadamente os países do Sul Global.
V. Referências
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- Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: mariborgesns@gmail.com ↩︎
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