Autores: Ana Beatriz Cezareto Boldorini1, Barbara Cristina Jacintho2, Emanuelly Araújo Ferreira3

Data de Publicação: 10/04/2024

Revisor: Laura Schanuel

I. Introdução

Nas últimas duas décadas, o panorama da assistência global passou por uma transformação significativa, com economias emergentes e outros contribuintes desempenhando um papel cada vez mais importante no financiamento do desenvolvimento global, outrora dominado pelos países do Grupo dos Sete (G7). Este fenômeno tem ampliado o alcance e a profundidade do apoio financeiro às nações em desenvolvimento.

Entre as economias emergentes, notavelmente os países do BRICS, que agora inclui cinco novos membros (Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã), têm se destacado ao responder por uma fatia maior do Produto Interno Bruto global, com base na paridade do poder de compra, do que os países do G7. Especificamente, os países do BRICS têm contribuído significativamente, representando 22% dos empréstimos bilaterais a nações em desenvolvimento na última década.

Ao mesmo tempo, o dólar vem perdendo, mesmo que muito lentamente, espaço nas reservas de Bancos Centrais ao redor do mundo, o Euro permanece como a segunda moeda mais utilizada para esta função, mas o destaque vai para o aumento de outras moedas, como o renminbi chinês, como aponta esse gráfico do FMI:

II. Desdolarização

Os esforços de desdolarização ganharam força no ano passado. No entanto, nas últimas semanas, a aliança econômica BRICS anunciou seus ambiciosos planos para a criação de um sistema de pagamento baseado em blockchain, acompanhado pela introdução de uma moeda nativa. Esta iniciativa tem o potencial de transformar significativamente o panorama econômico global. 

O embaixador do BRICS na África do Sul, Anil Sooklal, fez uma declaração afirmando que o domínio do dólar americano está próximo de seu fim. Em uma entrevista recente, Sooklal afirmou que os dias do mundo sob o controle do dólar estão contados e em breve darão lugar a uma nova ordem financeira global. Ele destacou que a transição para um mundo desdolarizado é inevitável e que em breve será adotada por todos os setores. Sooklal argumentou vigorosamente contra a persistente “armamentização” do dólar pelo governo dos Estados Unidos, argumentando que essa prática perdeu sua relevância nos mercados globais. Suas declarações refletem uma mudança de paradigma iminente nas relações econômicas internacionais e levantam questões sobre o futuro do papel do dólar como moeda dominante: “Os dias de um mundo centrado no dólar americano acabaram. Isso é uma realidade. Temos um sistema de comércio global multipolar hoje”, disse o embaixador.

Este movimento representa um avanço no compromisso do bloco com a desdolarização. Ao priorizar moedas locais, o BRICS tem procurado reduzir as influências ocidentais sobre a economia global. No entanto, com seu projeto mais recente, o bloco está se preparando para revolucionar potencialmente o sistema financeiro internacional.

III. Movimentações Iniciais

A Rússia, por exemplo, busca reduzir o impacto das avaliações norte-americanas, vem se apoiando em outras moedas para compensar suas reservas internacionais, entre elas e o renminbi. O país já é o que mais utiliza a moeda chinesa em seu banco central, compondo cerca de um terço de suas reservas.

Além disso, recentemente, a Rússia tomou medidas para contornar as avaliações ao aprovar uma legislação que permite o uso de Ativos Financeiros Digitais (DFAs) para facilitar o comércio global. A iniciativa anunciada em março pela Rússia busca fazer um sistema próprio e independente do modelo norte-americano e do dólar, por meio de criptomoedas com lastro no ouro e com o uso da tecnologia blockchain (mecanismo de banco de dados). A iniciativa anunciada em março pela Rússia busca fazer um sistema próprio e independente do modelo norte-americano e do dólar, por meio de criptomoedas com lastro no ouro e com o uso da tecnologia blockchain (mecanismo de banco de dados). O projeto enfrenta obstáculos logísticos e regulatórios, pois, para acontecer, é necessária a integração das moedas digitais (CBDCs) de cada país dos BRICS, que ainda não foram completamente desenvolvidas, além da necessidade de criar um sistema que suporte a nova moeda.

Atualmente, dentro dos cenários nacionais, os países continuam nas fases iniciais do desenvolvimento de suas próprias CBDCs, assim como o Brasil com o “real digital” chamado Drex é desenvolvida e controlada pelo Banco Central, com o intuito de facilitar e melhorar a eficiência das transações entre empresas e pessoas no país. Dentro desse contexto multipolar e de economia anti-Ocidente, o uso do yuan (moeda chinesa) ultrapassou o dólar nas negociações comerciais entre Rússia e China, chegando a alcançar a marca de 95% do mercado entre essas duas potências. 

IV. Conclusão

Desde 2014, com as investidas russas sobre a Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções econômicas à Rússia. Desde então, com o ápice das sanções em 2024, a Rússia e outros países como a Índia, China, Irã e os Emirados Árabes Unidos começaram a intensificar o uso de suas próprias moedas no comércio com outros países, devido à preocupação com sua estabilidade financeira. Dessa forma, a guerra russa-ucraniana incentiva o desvio para novas formas e modelos de negócios entre países que passaram a encarar a moeda dos EUA não somente como uma ferramenta de dominação monetária, mas também um sistema opressor e que amplia o risco à soberania dos agentes econômicos.

Em conclusão, as alternativas comerciais como o “BRICS Coin” representam pontos de ruptura nas dinâmicas geopolíticas mundiais, desafiando a hegemonia econômica do G7. Assim, a alternativa proposta pelos BRICS é uma forma de aumentar a pressão sobre o dólar americano, fazendo com que sua oferta e procura caiam no mercado internacional, além de trazer um maior aspecto multipolar à ordem mundial. 

No entanto, os países dos BRICS ainda enfrentam desafios para emplacar suas alternativas ao sistema financeiro mundial dada a complexidade logística, regulatória e política para esse processo de transição somada a necessidade de cooperação entre esses países e outras economias emergentes que são tão diversas política e economicamente. Por fim, essa nova variável para o cenário econômico internacional permite que os BRICS marquem presença no mercado financeiro, avancem e acelerem para uma direção contrária aos líderes europeus e norte-americanos. A décima sexta cúpula, programada para acontecer ainda este ano na Rússia, promete oferecer maior esclarecimento sobre os planos delineados para fortalecer as moedas locais.

V. Referências:

ARSLANALP, Serkan; EICHENGREEN, Barry; SIMPSON-BELL, Chima. A dominância do dólar e a ascensão das moedas de reserva não tradicionais. IMF Blog, 2022. Disponível em: <https://www.imf.org/pt/Blogs/Articles/2022/06/01/blog-dollar-dominance-and-the-rise-of-nontraditional-reserve-currencies>. Acesso em: 10 abr. 2024.

DSOUZA, Vinod. BRICS Announces New Blockchain-based Crypto Payment System. Watcher Guru, 2024. Disponível em: <https://watcher.guru/news/brics-announces-new-blockchain-based-crypto-payment-system>. Acesso em: 10 abr. 2024.

DSOUZA, Vinod. US Dollar-Dominated World Will End Soon, Says BRICS Ambassador. Watcher Guru, 2024. Disponível em: <https://watcher.guru/news/us-dollar-dominated-world-will-end-brics-ambassador>. Acesso em: 10 abr. 2024.

RAMOS, Joshua. BRICS: How its Blockchain Currency Changes the Global Economy. Watcher Guru, 2024. Disponível em: <https://watcher.guru/news/brics-how-its-blockchain-currency-changes-the-global-economy>. Acesso em: 10 abr. 2024.

SOUZA, Mayara. Moeda única dos Brics quer redefinir o cenário financeiro global. InvestNews. Disponível em: <https://investnews.com.br/criptonews/moeda-unica-dos-brics-quer-redefinir-o-cenario-financeiro-global>. Acesso em: 10 abr. 2024.

VASCONCELOS, Sueli. De Bretton Woods à Desdolarização. Estado de Minas. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/colunistas/sueli-vasconcelos/2023/04/17/noticia-sueli-vasconcelos,1481943/de-bretton-woods-a-desdolarizacao.shtml>. Acesso em: 10 abr. 2024.

  1. Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: anabboldorini@gmail.com ↩︎
  2. Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: babicristina013@gmail.com ↩︎
  3. Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: emanuellyaraujoferreira@gmail.com ↩︎

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