Autor: Richard Rodrigues de Souza Silva1

Data de publicação: 02/04/2024

I. As Origens do desengajamento

Desde o primeiro momento da deflagração da Guerra da Ucrânia em 2022, os Estados Unidos e a Europa engajaram-se ativamente na ajuda financeira e material à Ucrânia em sua empreitada de conter a invasão russa e retomar os seus territórios ocupados. Essa postura mostrou-se essencial para o esforço de guerra da Ucrânia e para a formação de uma ampla base de apoio internacional a Kiev nos primeiros meses do conflito, o que permitiu ao país resistir às sucessivas investidas russas no campo de batalha.

Em tese, as justificativas do apoio Ocidental à Ucrânia provém de duas perspectivas principais, a do direito internacional e o da geopolítica de poder. No tocante ao Direito Internacional, é negado a visão russa de que a região do leste da Ucrânia é um território histórico de direito de posse russa e que a justificativa de Moscou, quanto a existência de perseguição e genocidio aos russos no país após o Euromaidan, são apenas falácias para promover o Casus Belli necessário a invasão. Agora, em relação à questões geopolíticas, a justificativa Ocidental, mostra-se voltado a percepção da Rússia como um inimigo histórico da Europa e dos Estados Unidos da América (EUA) no Leste Europeu, e que caso não seja contida apresentará ímpetos expansionistas suficientemente grandes para desestabilizar toda a Europa, inclusive a União Europeia.

Entretanto, no delongar de mais de 2 anos de conflito, esse ânimo inicial parece começar a minguar, principalmente em função dos resultados inconclusivos obtidos pela Ucrânia no campo de batalha até agora. O interessante é que se hoje há uma desilusão com essa questão, a pouco menos de um ano havia uma grande expectativa na alteração dos rumos da guerra em razão da ofensiva ucraniana na primavera de 2023, que mesmo sendo planejada e realizada com apoio material e técnico Ocidental, acabou por mostrar-se insuficiente para alterar o quadro vigente do conflito. 

Principalmente após essa grande desilusão Ocidental, começaram a surgir várias fissuras no apoio internacional à Ucrânia, com essas fraturas, inicialmente, mostrando-se mais latentes nos EUA e, posteriormente, na Europa. Visto a diminuição dos auxílios financeiros e materiais cedidos a Kiev, por parte do Ocidente, essa situação já começa a abalar o esforço de guerra e a estabilidade política da Ucrânia. Posto isso, cabe agora, de forma mais detalhada, apresentar como esses dois principais atores, progressivamente, estão desengajado-se da Guerra da Ucrânia, principalmente em razão da perda de apoio popular a essa pauta. 

II. A incostância americana

Se no início do conflito, os EUA eram a vanguarda internacional do apoio Ucraniano, hoje, os mesmos dão a tônica do desengajamento de todo o Ocidente no conflito. A perda de força dessa pauta inicia-se pelos desalinhamentos de Washington e Kiev sobre como o apoio material cedido pela ajuda internacional e os ativos militares da Ucrânia devem ser utilizados no conflito, resultando, na percepção americana, em um prolongamento desnecessário da guerra. Entretanto, por mais que essa questão mostre-se como um grande desconforto entre os dois Estados, ela não é um elemento determinante para o progressivo afastamento das altas autoridades dos dois países. Atualmente, o elemento fundamental desse desengajamento, é a próprio queda de apoio popular americano em relação ao conflito, que considera a Ucrânia uma região distante dos interesses nacionais dos EUA e não observam motivos de tantos gastos serem realizados na defesa daquele país, percepção essa, que anda sendo muito bem capitalizada pelo partido Republicano e o ex-presidente Donald Trump

Nas pesquisas do PEW Research Center, realizadas em novembro e dezembro de 2023, demonstra-se que mesmo ainda com a maioria da população (58%) dos EUA apoiando a continuidade do auxilio financeiro e militar à Ucrânia, há o inicio de uma clara reversão desse panorama. Partindo de outra pesquisa, agora da Reuters, em outubro do mesmo ano, demonstra como o apoio da população estadunidense à fornecer equipamento militares a Kiev diminuiu, sendo de 41% em novembro, ante 46% em maio de 2023. Dito isso, também é válido ressaltar que quando observado dentro do bojo partidário é perceptível uma clivagem de interesses, com republicanos e independentes afastando-se do apoio à Ucrânia, enquanto os democratas buscam manter e aumentar o apoio. 

Com isso, de forma breve, é necessário apresentar, por meio do gráfico 1, os dados relativos ao apoio da população dos EUA em relação a buscar um fim do conflito, mesmo que em função de concessões territoriais da Ucrânia à Rússia.

Gráfico 1 – Índice de apoio da população dos EUA a continuidade da guerra 

Fonte: Quincy-Institute (2024). Elaboração própria.

III. A acomodação europeia

Posto o caso Americano, cabe agora demonstrar como há um movimento correlato na Europa, com as nações do continente, notadamente os Estados membros da União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Se em um primeiro momento os países do continente mostraram-se guiados pelo engajamento estadunidense, agora, eles também seguem o mesmo posicionamento deste de desengajar do conflito.

Se inicialmente, tal qual os EUA, a Europa viu a Guerra como uma ameaça à segurança nacional dos Estados do continente, essa sensação foi diluindo-se como em razão dos altos níveis inflacionários que atingiram esses países em função das retaliações energéticas da Rússia. Além disso, a estagnação econômica da Europa e a incapacidade desses Estados encabeçarem o esforço de guerra de Kiev, aliado à ascensão de partidos de extrema direita ou eurocéticos no seio da União Europeia provocaram uma progressiva percepção da incapacidade da União Europeia em influenciar as dinâmicas políticas da guerra e das suas resultantes no campo de batalha. Apesar dos países da União Europeia, sob o bojo da OTAN, buscarem se arregimentar contra possíveis agressões russas ao restante do continente, como pode ser observado pela entrada da Finlândia e, posteriormente, a Suécia. Assim, mesmo que tenha uma clara preparação para lidar com as agressões russas em solo dos estados membros da OTAN, tem-se uma grande aversão a uma maior intervenção direta no conflito, que é agravada pela própria inconstância da própria União Europeia em conseguir consenso nessas pautas. 

Posto isso, de forma breve, é necessário demonstrar, sob a forma do gráfico 2, como a população de alguns países europeus e, consequentemente, seus governos mostram-se reticentes quanto à continuidade do conflito e a manter o apoio à Ucrânia contra a Rússia.  

Gráfico 2 –  Índice de apoio da população da União Europeia à continuidade da guerra da Ucrânia.

Fonte: European Council on Foreign Relations (2024). Elaboração própria.

IV. A fadiga de Guerra do Ocidente

Posto os dados apresentados anteriormente nos gráficos, aliado aos fatos expostos, é possível aferir que a fadiga de guerra está afetando, de forma cada vez mais intensa, o Ocidente em seu apoio à Ucrânia. A queda do apoio popular à guerra, visto em seu ímpeto de finalizar o conflito, mesmo sob as condições de perdas territoriais da Ucrânia demonstra-se sob a lente da progressiva degradação dos auxílios desses países e, consequentemente, uma piora das condições de resistência de Kiev. Essa situação, de progressivo aumento da fadiga Ocidental em apoiar a Ucrânia, pode se mostrar fatal já nos próximos meses, afetando seriamente a capacidade do país em promover a manutenção de seu esforço de guerra contra Moscou. 

V. Referências

CAPIRAZI, B. Ucrânia: guerra completa um ano com alta inflação e economia fragilizada. Suno, 2023. Disponível em: <https://www.suno.com.br/noticias/noticias-guerra-ucrania-ano-inflacao-economia-fragil/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

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FERRARO, Vicente. O que está por trás da crise entre a Rússia, Ucrânia e Otan?. PODER 360, 2022. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/opiniao/o-que-esta-por-tras-da-crise-entre-a-russia-ucrania-e-otan/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

FOLHA DE PERNAMBUCO. Europeus estão reticentes com ideia da França de enviar tropas à Ucrânia. Folha PE, 2024. Disponível em: <https://www.folhape.com.br/noticias/europeus-estao-reticentes-com-ideia-da-franca-de-enviar-tropas-a/319687/>. Acesso em: 24 mar. 2024. 

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  1. Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: Richardrssinternacionalista@outlook.com.br ↩︎

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