Autor: Ana Luisa Faria1
Data da publicação: 17/06/2025
Cumprindo uma promessa de campanha, Donald Trump iniciou seu segundo mandato fazendo uso da política comercial americana para reorganizar o comércio internacional em favor dos Estados Unidos. As principais medidas –e também as mais midiáticas – foram a adoção (ou ameaça de adoção) de tarifas de importação que atingiram o mundo todo, o que ficou conhecido popularmente como “tarifaço”. Este informe mostra como o Brasil foi impactado por essa política estadunidense e como reagiu a ela.
Primeiramente, é útil traçar uma linha do tempo das medidas efetivamente tomadas pelo governo de Trump. O gráfico abaixo é um resumo dessas medidas, mas o vaivém das tarifas, com ameaças, avanços e recuos por parte da administração americana atual, foi marcado por muitos eventos (confira mais detalhes aqui), incluindo as declarações frequentes – e aparentemente erráticas – do presidente.

Fonte: Peterson Institute for International Economics. Elaboração própria.
O auge desses eventos foi o “Dia da Libertação” (2 de abril), quando Trump anunciou a imposição de tarifas sobre produtos importados em geral, fixando uma alíquota mínima de 10%. Na mesma ocasião, vários países também foram taxados acima dessa porcentagem, calculada com base em uma fórmula única, aplicada a todos os Estados que exportam para território americano. A fórmula, que leva em conta o déficit comercial dos Estados Unidos com o país tarifado e o valor das importações americanas do mesmo país, pode ser consultada na Carta de Conjuntura do IPEA de 12 de maio deste ano. As tarifas calculadas por essa fórmula foram chamadas de “tarifas recíprocas”, em referência ao que Trump e sua administração acreditam ser uma espécie de “justiça tarifária”.
Antes do “Dia da Libertação”, porém, o governo americano já havia anunciado tarifas que não se enquadravam nessa fórmula ou na alíquota mínima. São exemplo disso as tarifas sobre o aço e alumínio e sobre produtos automotivos.
A tarifa de 25% sobre o aço e alumínio importados pelos Estados Unidos foi aplicada mesmo para países com os quais os Estados Unidos tinham algum acordo comercial, acabando com isenções que porventura estivessem em vigor. Recentemente, na primeira semana de junho, essa alíquota subiu para 50%. Já a tarifa sobre produtos automotivos, anunciada em março, foi de 25% sobre veículos e peças desse setor. Nos dois casos, a defesa da segurança nacional foi citada como justificativa para a imposição das tarifas, por meio de uma lei de 1962, o Trade Expansion Act.
Há duas exceções a essas tarifas sobre aço, alumínio e produtos automotivos. Com relação aos dois primeiros produtos, o Reino Unido firmou um acordo comercial com os americanos em maio, que prevê vantagens para o aço e alumínio britânicos, com a diminuição da alíquota sobre esses produtos, e a fixação de cotas de exportação a essa alíquota reduzida. Por sua vez, em razão do USMCA, acordo comercial entre México, Canadá e Estados Unidos, os mexicanos e canadenses podem ter um “alívio” com relação às tarifas sobre produtos automotivos, se os importadores (nos Estados Unidos) conseguirem provar que parte dos veículos ou peças são produtos americanos (caso em que o valor tarifado recairá apenas sobre o conteúdo do produto que não for americano).
Impactos para o Brasil e reação brasileira
O Brasil foi um dos países taxados em 10%, para todos os produtos. Portanto, não entrou na lista dos países atingidos com as “tarifas recíprocas”. Porém, no caso dos produtos automotivos, foi alvo da tarifa de 25% e, no caso do aço e alumínio, em 25% – e agora, 50%.
Essa tarifa causou preocupação no setor metalúrgico brasileiro, que criticou a morosidade do governo Lula em responder ao tarifaço. A preocupação da iniciativa privada é explicada pela importância dos Estados Unidos como comprador do aço e alumínio brasileiros: o país é o maior destino do aço produzido no Brasil e o segundo maior destino do alumínio.
Curiosamente, as exportações de aço, alumínio e de produtos automotivos brasileiros para os Estados Unidos aumentaram no primeiro trimestre de 2025, apesar de a primeira imposição de tarifas (de aço e alumínio) ter sido anunciada já em fevereiro, seguida do anúncio das tarifas sobre veículos e partes automotivas em março. No mês de março, aliás, as exportações brasileiras de aço e alumínio foram mais de 20% maiores e as de produtos do setor automotivo, mais de 10% maiores do que o praticado no mesmo mês de 2024. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior afirmou que esse aumento, contudo, pode ser explicado por um “embarque antecipado”, que não refletiria ainda as consequências do tarifaço nas exportações de produtos metalúrgicos e automotores.
A reação brasileira mais contundente às tarifas (incluindo a tarifa sobre o aço e o alumínio), foi a aprovação, pelo Congresso, da Lei 15.122, de 11 de abril de 2025, conhecida como “Lei de Reciprocidade Econômica”. A Lei autoriza o Poder Executivo a tomar medidas retaliatórias a países que restrinjam exportações brasileiras. As restrições que permitem a tomada de contramedidas podem ser de natureza comercial, como a imposição de taxas que dificultem a atividade exportadora do Brasil, mas também incluem restrições por origem de produto (restrições a produtos de áreas desmatadas, por exemplo). O texto foi aprovado com urgência, em razão do tarifaço de Trump.
Essa imposição unilateral de tarifas tem um impacto significativo na relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. Quanto às tarifas relacionadas ao setor metalúrgico e automotivo, porém, alguns analistas acreditam que as elas não devem ter efeito direto tão grande na economia nacional como um todo, apesar de afetarem pesadamente os setores tarifados. O perigo maior vem do nível sistêmico: o tarifaço pode gerar uma diminuição generalizada da atividade econômica global, gerando recessão ao redor do mundo. No Brasil, como em muitos outros países, isso pode significar aumento da inflação e consequente perda de poder de consumo das famílias. Além disso, em um cenário de incerteza econômica, investidores tenderiam a procurar mercados considerados “seguros”, o que poderia acarretar uma fuga de capitais do mercado brasileiro.
Apesar da Lei de Reciprocidade Econômica permitir a adoção de medidas retaliatórias, o Brasil ainda não tomou medidas efetivas nesse sentido. A postura do governo em relação à tarifa geral de 10% é de aceitação. Para a administração atual, esses 10% já são considerados “o novo normal” para se entrar no mercado americano. O Brasil então cogita redirecionar as negociações para setores produtivos nacionais mais afetados pelo tarifaço, como o metalúrgico e o automotivo. Se a tarifa imposta a esses setores é a mesma para todos os países (o que, em tese, não modificaria as condições de competição pelo mercado americano), a iniciativa privada acredita que há uma corrida por acordos bilaterais com os Estados Unidos e que a saída para conseguir alguma vantagem sobre outros países é negociar rapidamente com os estadunidenses.
Internamente, porém, o Ministério do Desenvolvimeto, Indústria e Comércio (MDIC) acenou positivamente à indústria siderúrgica, por meio da renovação de medidas protecionistas ao aço brasileiro. O Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex) decidiu por continuar a aplicação de medidas tarifárias adotadas no ano passado para reduzir o surto de importação de produtos de aço.
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1) 10% e 15% (dependendo do produto) de tarifas sobre exportações agrícolas, com início em 10 de março, e o Canadá impôs tarifa de 25% sobre alguns produtos específicos;
2) Tarifas que Trump chamou de “recíprocas”. Por meio de uma fórmula única, aplicada a todos os países, chegou-se a tarifa mínima de 10% sobre todas as importações, e alíquotas maiores aplicadas a países específicos. Por exemplo: Vietnã – 46%; China – 34%; União Europeia – 20%; Coreia do Sul – 25% etc. A China então retalia em 34% contra produtos importados dos Estados Unidos. Os americanos então aumentam em mais 50% suas tarifas contra os chineses, escalando a guerra tarifária entre os dois países, o que resulta em 145% de alíquota implementada pelos Estados Unidos e de 125% pela China.
3) Uma tarifa de 25% sobre produtos automotivos vindos dos Estados Unidos.
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