Autor : Laura Schanuel1

Data de Publicação: 17/09/2024

Revisor: Richard Rodrigues

I. Ascenção dos BRICS

O BRICS, um grupo de países que tem se mostrado muito presente no cenário internacional, nem sempre foi considerado a força que se tornou atualmente. Em sua criação, em 2009, muitos o consideravam pouco coordenado com países distantes e distintos, no qual a cooperação não parecia ser promissora. Entretanto, pode-se dizer que uma série de eventos iniciados nos últimos anos motivaram uma mudança dessa visão.

Nesse contexto, destaca-se que as movimentações da Rússia e da China no atual contexto internacional como um fator de impacto para essa nova opinião. Principalmente se destacado que a organização comercial criada pelos BRICS não teve tanto impacto na economia mundial no início, mas, com as sanções impostas a esses países desde o começo da Guerra da Ucrânia, ambos iniciaram movimentações assertivas para diminuir a dependência do Ocidente, transformando, assim, sua presença na política e economia global cada vez mais impactante.

O grupo, ademais, deu início a uma expansão de seus membros e vários países demonstraram interesse em ingressar e iniciar relações efetivas com o mesmo. Com a adesão dos novos membros — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Egito — o grupo cresceu em vários aspectos. Ele já apresentava uma grande participação no PIB mundial e na população global, mas com os novos integrantes, o grupo pôde, também, elevar consideravelmente sua participação na produção de petróleo, saindo de 20,4% para acima de 42% com base nos dados coletados ainda em 2022.

Gráfico 1Participação na Produção Global de Petróleo

Adaptado de Visual Capitalist, 2023

Por outra perspectiva, essa expansão também cria certas dúvidas relacionadas ao grupo. Os BRICS já apresentavam sistemas políticos e econômicos bastante divergentes e, com a entrada dos novos membros, essa característica tende a se tornar mais presente. Yun Sun, diretor do programa da China no Stimson Center em Washington, por exemplo, afirmou que está cético em relação à eficácia da organização e que “Quanto mais membros houver, mais interesses a organização precisa para conciliar e acomodar”. Assim, é possível afirmar que, apesar da expansão e da crescente presença no cenário mundial, o BRICS ainda precisa enfrentar essa questão para que realmente se torne um grupo de impacto relevante capaz de modificar a atual hegemonia do Ocidente.

II. Disparidades Econômicas

Embora os BRICS tenham se tornado um grupo de impacto reconhecido, dando ênfase à China nesse contexto, as grandes disparidades internas causam certo estranhamento ao se analisar sua composição. São países que apresentam economias divergentes, taxas de crescimento dispares e prioridades e objetivos variados e distintos. Nesse sentido, se observado, por exemplo, a presença do PIB de cada membro no contexto mundial, a China se destaca consideravelmente em comparação aos outros.

Gráfico 2PIB baseado na Paridade do Poder de Compra

Fonte: Euronews, 2023

Assim, a China é o grande ator internacional no grupo, sendo a maior economia ali presente e uma das que ainda mais cresce no mundo, apesar da desaceleração do seu ritmo nos anos recentes. Esse panorama se torna ainda mais destoante, quando se tem em vista que os demais países originais dos BRICS, com exceção da Índia, tiveram seu crescimento econômico bastante reduzido desde a criação do bloco. Quando avaliados os novos membros, como o mostrado no gráfico acima — desconsiderando a Argentina que acabou por não aderir — o cenário se mantém o mesmo, havendo uma repetição de cenários de baixo crescimento econômico nesses países.

Desse modo, a China sozinha possui um PIB que supera a soma de todas as outras economias do grupo, demonstrando uma posição de protagonismo dentro dos BRICS. Dito isso, é possível concluir a partir desse cenário que, dependendo das ações que a China implementar, os países do grupo não teriam a mesma capacidade de cumpri-las a semelhança de Pequim, devido a esse desequilíbrio econômico entre as nações.

III. Conflitos Internos

É existente, entre os países do BRICS, algumas divergências de opiniões, objetivos e prioridades. Nesse contexto, o tom antiocidental visto no grupo nos últimos anos, por exemplo, principalmente se considerados os novos membros, é um fator muito exaltado pela China e pela Rússia. Contudo, ainda há no seio do bloco, países como o Brasil e a Índia, que não possuem uma intenção tão marcada de se opor ao ocidente, além de possuir Estados diretamente alinhados aos Estados Unidos, como a Arábia Súdita.

Nesse sentido, é possível identificar vários vetores de influência da China no bloco e na região da Ásia Central e no Oriente Médio. A Índia foi um dos países a indicar a crescente influência chinesa no grupo e a mostrar receio quanto à característica antiocidental cada vez mais latente nos BRICS. Além disso, ela possui alguns conflitos fronteiriços com a China a serem apontados, já que esses criam certas tensões entre eles, apesar de que a solução de tais problemas tenha sido enfatizada por ambos os países. Ademais, outro exemplo a ser considerado, entre os novos membros, o Irã e a Arábia Saudita já possuíam atritos entre si, embora tenham acordado em iniciar laços diplomáticos. Acordo esse mediado pela China, mostrando, também, uma vitória diplomática para a potência e enfatizando sua influência na região.

Assim, é visível que as questões entre os países do grupo não trazem um equilíbrio de interesses e perspectivas visto em outros como o G7 (um grupo formado por sete das maiores economias do mundo: Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos), ao qual alguns acreditam que o BRICS pode vir a ser uma contrapartida. Entretanto, alguns movimentos intrabloco podem ser vistos com o intuito de minimizar o impacto dessas divergências e disparidades.

IV. Novos Acordos

É fato que nos últimos anos os BRICS se aproximaram ainda mais, criando mais laços e acordos. Assim, apesar das divergências internas já apresentadas, não dá para negar que o grupo tende a se tornar cada vez maior. Já foi afirmado em vários momentos que a China tem um papel central no grupo e, em algumas análises, o BRICS seria um método de expansão da influência chinesa no âmbito internacional. Portanto, é importante avaliar alguns exemplos recentes de acordos criados entre os países do grupo, principalmente com a China, feitos para contornar, mesmo que minimamente, as disparidades e desacordos e assegurar os interesses dos países em desenvolvimento.

Um exemplo importante dessa situação é a recente concordância entre China e África do Sul sobre buscar um possível equilíbrio comercial e um aumento em investimentos bidirecionais. Acatando um pedido sul-africano pela diminuição do déficit comercial entre os dois países, além de promover investimentos para fomentar a queda do desemprego no país africano. A China se propôs a realizar essas ações e os dois concordaram com alguns termos que incluíam a exportação de produtos lácteos e lã da África do Sul para a China.

Outro exemplo a ser citado é a conversa entre Brasil e China sobre a Belt and Road Initiative. Essa iniciativa, por mais que não esteja diretamente ligada aos BRICS, apresenta o crescimento de parcerias entre ambos os países presentes no grupo e deve ser considerada. Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que planeja discutir planos para uma “parceria estratégica de longo prazo” e demonstra interesse em entrar na iniciativa, apesar de enfatizar que não aspira fragilizar suas ligações com os Estados Unidos. Além disso, segundo Reuters, sob o cenário das sanções ocidentais, o Ministro das Relações Exteriores Wang Yi, da China, afirmou estar disposto a trabalhar com o Brasil para o objetivo comum de levar os BRICS a um papel de maior relevância no âmbito internacional.

Ademais, algumas das próprias tensões já aqui citadas, como a entre China e Índia após o conflito fronteiriço, podem ser utilizadas como exemplo, se for avaliado que, ainda no ano passado, a resolução das questões provenientes dessa situação foi marcada, de certa forma, como uma prioridade. Tendo em vista que ambos países concordaram que a resolução dessas tensões é essencial para as relações entre China e Índia e que melhorar essas relações é de interesse de ambos.    

V. Conclusão

Desse modo, é visível que os BRICS, apesar de suas divergências internas que causam certas avaliações céticas, têm se tornado um grupo cada vez mais relevante na economia mundial. Porém, é um fato que as divergências políticas e econômicas entre os membros do grupo podem atrapalhar, de certa forma, que eles criem e alcancem objetivos comuns bem estruturados.

Grupos como o G7, aqui já citado, possuem interesses em comum e capacidades semelhantes para alcança-los, fator que não é visível nos BRICS, o que pode acarretar na dificuldade de crescimento do grupo. Porém, é certo que eles não são um grupo passível de ser desconsiderado, sua presença cada vez mais presente na geopolítica global e o grande impacto nas relações econômicas, principalmente após as sanções implementadas à Rússia na Guerra da Ucrânia e a ascensão econômica da China, o tornam um grupo cada vez mais capaz de demandar alguns de seus interesses no âmbito internacional.

VI. Referências

Agência Brasil. Ampliação do Brics pode não ser boa para o Brasil, dizem analistas. Brasil de Fato, 2023. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2023/08/22/ampliacao-do-brics-pode-nao-ser-boa-para-o-brasil-dizem-analistas>. Acesso em: 17 set. 2024.

DE SÁ, Rafaela Mello Rodrigues; RODRIGUEZ, Maria Elena. A expansão do BRICS e o papel da China no agrupamento. BRICS Policy Center, 2022. Disponível em: https://bricspolicycenter.org/a-expansao-do-brics-e-o-papel-da-china-no-agrupamento/. Acesso em: 15 set. 2024.

GAN, Nectar. Análise: os novos Brics podem fazer frente ao Ocidente? CNN Brasil, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/analise-os-novos-brics-podem-fazer-frente-ao-ocidente/. Acesso em: 14 set. 2024.

KATANICH, Doloresz. Como a expansão dos BRICS pode abalar a economia mundial. Euronews, 2023. Disponível em: https://pt.euronews.com/business/2023/08/29/como-a-expansao-dos-brics-pode-abalar-a-economia-mundial. Acesso em: 15 set. 2024.

LEE, Liz. China, South Africa agree to seek balanced trade, more investments. Reuters, 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/markets/china-south-africa-sign-cooperation-documents-trade-more-investments-2024-09-03/. Acesso em: 15 set. 2024.

LEE, Liz. China urges greater BRICS role as Western sanctions mount. Reuters, 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/world/china-urges-greater-brics-role-western-sanctions-mount-2024-06-11/. Acesso em: 15 set. 2024.

LU, Marcus. Visualizing the BRICS Expansion in 4 Charts. Visual Capitalist, 2023. Disponível em: https://www.visualcapitalist.com/visualizing-the-brics-expansion-in-4-charts/#google_vignette. Acesso em: 14 set. 2024.

MOGUL, Rhea; MCCARTHY, Simone. India’s Modi and China’s Xi agree to ‘intensify efforts’ to deescalate border issue following rare meeting. CNN, 2023. Disponível em: https://www.cnn.com/2023/08/24/asia/brics-summit-india-china-modi-xi-meeting-intl-hnk/index.html. Acesso em: 15 set. 2024.

REUTERS. Brazil’s Lula nods to “long-term partnership” with China. Reuters, 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/world/brazils-lula-nods-long-term-partnership-with-china-2024-08-14/. Acesso em: 15 set. 2024.

  1. Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: lauramariaschanuel@gmail.com ↩︎

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