Autor: Maria Eduarda Maia dos Reis1

Data de Publicação: 01/10/2024

Revisor: Mell Monteiro

I. Introdução

O conflito entre Rússia e Ucrânia não é recente, mas desde a invasão russa em 2022, as discussões sobre o fim da guerra e a retirada das tropas russas do território ucraniano se intensificaram. Desde o início de 2024, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, vem apresentando suas condições para encerrar o conflito, que incluem a retirada das tropas ucranianas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, e a exigência de que a Ucrânia desista de sua entrada na OTAN. No entanto, tais propostas foram rejeitadas. Em uma fala mais recente, durante o Fórum Econômico Oriental em Vladivostok, no dia 5 de setembro de 2024, Putin sugeriu que o Brasil, a China e a Índia poderiam atuar como mediadores nas negociações de paz do conflito Rússia-Ucrânia. Ele também destacou que um acordo realizado em Istambul no início da guerra entre os dois países que nunca foi implementado poderia servir de base nas novas negociações. 
A escolha dos três países levanta questionamentos sobre suas relações com a Rússia e o papel que podem desempenhar no conflito. O que motivaria Putin a citar especificamente esses países? Ele considera que, em razão de suas relações político-econômicas com a Rússia, eles teriam uma posição neutra o suficiente para mediar as negociações? É possível ver que a postura diplomática do Brasil, China e Índia vem evitando confronto direto com a Rússia, ao mesmo tempo em que não apoiam diretamente a invasão russa. Essa atitude pode ser explicada, em parte, pela associação com o BRICS, bloco econômico ao qual pertencem, e pelo fato de seus comércios e investimentos estarem sendo impactados pelo conflito. Sendo assim, pretende-se analisar as relações econômicas e políticas entre a Rússia e essas nações, buscando compreender como essas parcerias levaram o presidente Vladimir Putin a indicá-los como possíveis mediadores no processo de paz.

II. Relação Rússia-Brasil

As relações diplomáticas entre Brasil e Rússia são datadas do século XIX, tendo sido interrompidas apenas duas vezes, desde 1828 até os dias atuais. A partir de 1997, as relações bilaterais entre os países se consolidaram com a criação do “Acordo Russo-Brasileira de Alto Nível de Cooperação”. Nos anos 2000, houve a assinatura do “Acordo básico sobre as relações de parceria”, a primeira visita de Putin ao Brasil em 2004 e do Lula à Rússia em 2005, ano em que assinaram o “Plano de Ação da Parceria Estratégica”. Em 2008, ocorreu a assinatura do “Acordo de isenção de vistos para viagens curtas”. Nos períodos mais recentes, as relações se intensificaram com a cooperação em áreas como economia, energia, defesa, ciência, tecnologia, agricultura, cultura, educação e esportes. O fato de ambos os países serem membros do BRICS também corrobora com o aumento das trocas comerciais.

No campo econômico, pode-se observar que as trocas comerciais entre os países aumentaram muito nos últimos anos, especialmente nos setores agrícola e energético. Em 2024, apenas nos dois primeiros meses do ano o Brasil já havia importado 1,1 milhão de toneladas de diesel russo, representando cerca de US$ 818,730 milhões. Isso se deve à baixa no valor do combustível russo, resultado das sanções que diminuíram seu mercado de compradores tradicionais, como Estados Unidos e União Europeia. O mercado de gás natural russo também vem sendo discutido para uma maior cooperação energética entre as nações. 

O principal setor de troca entre Brasil e Rússia está ligado aos fertilizantes utilizados no agronegócio brasileiro, com a Rússia fornecendo 28% dos fertilizantes, sendo 20% dos adubos do agronegócio. Esse número já foi maior antes do conflito da Ucrânia, chegando a 70% do total utilizado no agronegócio brasileiro. Após a eclosão da guerra, o Brasil adotou o “Plano Nacional de Fertilizantes”, para reduzir a dependência estrangeira. Por outro lado, a Rússia é uma grande importadora das carnes brasileiras, especialmente bovina e de aves, renovando em 2024 sua quota de importação para 570 mil toneladas da bovina e 364 mil toneladas da de aves, número ao qual tem tendência de continuar aumentando.

Após apresentar esses fatores, pode-se afirmar que as relações bilaterais entre Brasil e Rússia estão se desenvolvendo progressivamente. O gráfico abaixo mostra um aumento significativo nas importações brasileiras, refletindo as sanções aplicadas à Rússia, que provocaram uma queda nos preços russos para conquistar novos mercados, incluindo o Brasil. É importante observar que os dados de 2024 referem-se aos meses de janeiro a agosto. 

Gráfico 1 – Comércio Bilateral Brasil Rússia em US$ entre 2014 até agosto de 2024

Fonte: Comex Stat, 2024. Elaboração própria

III. Relação Rússia-China

As relações entre Rússia e China duram mais de 400 anos, com períodos de aproximação e de distanciamento, principalmente devido à fronteira que compartilham. Durante essa longa história, há marcos importantes, como o pacto de não agressão sino – soviético, assinado em 1937, que foi encerrado após o distanciamento ideológico de 1969. Em 1949, a União Soviética foi o primeiro país a reconhecer a recém-proclamada República Popular da China. No entanto, foi em 2014, após a anexação da Crimeia e as sanções ocidentais impostas à Rússia, que as relações comerciais entre os dois países se intensificaram. Esse processo continuou com o conflito Rússia-Ucrânia, ampliando ainda mais a cooperação entre as duas nações.

Desde o início dessa política de sanções ocidentais, a China tornou-se o principal fornecedor de automóveis, roupas, matérias-primas e outras mercadorias para a Rússia. Em 2023, esse comércio atingiu níveis recordes de US$ 240 bilhões, um aumento de 64% em comparação a 2021. Dentro desse montante, US$ 111 bilhões representaram as exportações chinesas e US$ 129 bilhões, as importações de gás e outros recursos russos. Embora pareça haver uma relação de igualdade, a Rússia tornou-se cada vez mais dependente da China, já que seus outros compradores de gás e petróleo reduziram as compras após a invasão da Ucrânia. No ano de 2022 a exportação de gás russo para a China duplicou em comparação a 2021, o que levou a idealização de um projeto para a construção de um gasoduto que conecte ambos os países.

Outro ponto de debate são as exportações da China para a Rússia, especialmente no que diz respeito a US$ 300 milhões mensais em produtos de aplicação dupla, tanto comerciais quanto militares. O secretário de Estado Americano, Antony Bliken, afirmou que a China está fornecendo semicondutores para a Rússia, potencialmente fortalecendo a “máquina de guerra de Moscou”. A China não nega essas exportações, mas afirma que realiza essa troca com prudência. Essa postura diplomática demonstra cautela chinesa: o país não condena diretamente a Rússia, mas também não fornece apoio militar explícito.

Gráfico 2 – O Crescimento do comércio Rússia-China

Fonte: BBC (2023)

IV. Relação Rússia-Índia

As relações russo-indianas também passaram por períodos de aproximação e afastamento. Durante a União Soviética, houve um forte envolvimento, especialmente nos setores de energia e defesa. Com a dissolução do bloco soviético, o comércio bilateral caiu drasticamente, o que antes totalizava US$5,5 bilhões em 1991 em 93 havia caído para 1,1 bilhão. Mas ao longo do século XXI, as trocas estabilizaram, principalmente nas áreas de tecnologia e energia. Após o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, houve um aumento nas negociações bilaterais dos países, ao ponto de, em 2023, discutirem um acordo de livre comércio.

O avanço nessas relações foi tamanho após o início do conflito que em 2022 as importações indianas quadruplicaram, ficando em cerca de US$ 44,33 bilhões, tendo como o principal produto o petróleo russo que passou a ser vendido por um menor valor de mercado.

Nesse mesmo ano as exportações indianas para o território russo representaram US$2,88 bilhões, dentre os produtos estavam medicamentos embalados, crustáceos e aço inoxidável.

V. Conclusão

A proposta de Vladimir Putin ao sugerir o Brasil, a China e a Índia como mediadores nas negociações de paz da Guerra da Ucrânia reflete uma leitura estratégica do presidente russo, baseada em seus interesses econômicos e políticos. Ao decorrer do texto mostrou-se evidente que a Rússia necessitava de um novo mercado após o início do conflito, principalmente devido ao início das sanções ocidentais, o que acaba levando a uma dependência russa com esses três países ao considerar a necessidade da venda de seus produtos para continuar movimentando sua economia, e consequentemente, financiando a guerra.

Desse modo, uma perspectiva de análise da fala seria os três países como elementos neutros do conflito por não acatarem as recomendações ocidentais das sanções e, na verdade, expandirem seus mercados com a Rússia. No entanto, o ponto central dessa discussão deveria ser até que ponto as três nações estariam dispostas a mediarem o fim da guerra, principalmente ao considerar o posicionamento ocidental e como isso poderia afetar suas políticas com essas outras nações, além da necessidade de um bom relacionamento com a Rússia por conta do BRICS. Sendo assim, conclui-se que há complexas dinâmicas de poder e interesses por trás de toda a situação, sendo então impossível prever certezas relacionadas ao futuro desse combate, restando apenas esperar. 

VI. Referências

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CNN BRASIL. Putin diz que Brasil, China e Índia poderiam mediar negociações de paz entre Rússia e Ucrânia. CNN Brasil, 5 set. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/putin-diz-que-brasil-china-e-india-poderiam-mediar-negociacoes-de-paz-entre-russia-e-ucrania/. Acesso em: 29 set. 2024.

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  1. Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: mariaed.maia21@gmail.com ↩︎

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