Autoras: Bárbara Beneti Poloni1 e Julia Pirani Cabral2

Data: 10/04/2024

Revisor: Richard Rodrigues de Souza Silva

I. Belt and Road Initiative (BRI)

A Belt and Road Initiative (BRI) ou Nova Rota da Seda foi um projeto lançado em 2013 como parte da política externa da República Popular da China (RPC) sob a liderança do Presidente Xi Jinping. A BRI  inclui uma série de programas de investimento em infraestrutura e promoção da integração econômica nos países parceiros. Internamente, a iniciativa é vista como uma forma de legitimação do Partido Comunista Chinês e do Presidente Xi. Internacionalmente, a BRI é apresentada como uma cooperação vantajosa e benéfica para a China e seus parceiros, visando promover a multipolaridade, a globalização econômica e a diversificação cultural. 

O projeto possui cinco objetivos principais: a coordenação de políticas, a conectividade de infraestruturas, o livre-comércio, a integração financeira e a conexão entre pessoas. São vários os meios através dos quais se estrutura o objetivo de conectividade das infraestruturas: ferrovias, rodovias, transporte marítimo, aviação, oleodutos e uma rede informática e aeroespacial integrada. Atualmente, 145 países são participantes, o que tem sido objeto de intenso debate, com seus apoiadores destacando os benefícios econômicos, enquanto seus críticos questionam a falta de transparência, os impactos ambientais, o risco de endividamento insustentável e a suposta ameaça à hegemonia ocidental.

A América Latina não estava, inicialmente, incluída na Belt and Road Initiative da China, o que gerou preocupações sobre a possibilidade da região ser negligenciada. No entanto, em 2017, o presidente chinês Xi Jinping descreveu a América Latina como uma extensão natural da Rota da Seda Marítima do Século XXI, demonstrando o interesse chinês de estreitar os laços com a região. Em seguida, em 2018, no Fórum China-CEPAL em Santiago, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês convidou os países latino-americanos a participar da iniciativa e foi assinada uma Special Declaration on the Belt and Road Initiative. Vários países latino-americanos se envolveram com a BRI, assinando memorandos de entendimento (MOUs) com a China. O Panamá foi o primeiro país da região a estabelecer relações diplomáticas com a China e assinar o MOU com a BRI em 2017. Desde então, outros países como Argentina, Antígua e Barbuda, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Granada, Guiana, Peru, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela também assinaram acordos com a China. No entanto, 13 países da América Latina e do Caribe (ALC) ainda não assinaram acordos, incluindo o Brasil, o México e a Colômbia.

II. Investimento chinês na América Latina ao longo das últimas duas décadas

A China superou os Estados Unidos no comércio com a América do Sul e Central durante o mandato de Trump. Apesar dos esforços para reverter essa tendência, a diferença tem aumentado sob a presidência de Biden. As autoridades americanas agora argumentam que oferecem à região mais do que apenas comércio, destacando o investimento em indústrias de alta tecnologia. Enquanto isso, o governo chinês afirma que o comércio e o investimento na América Latina são mutuamente benéficos, para a China e para os países com os quais mantém relações – principalmente da Iniciativa do Cinturão e Rota.

Gráfico 1 – Investimento chinês na América Latina

Tradução: A Ascensão da China na América Latina. Os investimentos chineses na América Latina tem em média acima de US$15 bilhões por ano desde o pico de 2010, com portos, produção de energia e rede de transporte. Média anual do nível do investimento chinês desde 2010 na América Latina.

Gráfico 2 – Comparativo do comercio entre China e EUA

Tradução: EUA vs China: trocando de lugares. O comércio chinês com a América do Sul e a América Central ultrapassou os Estados Unidos nos últimos anos e a lacuna demonstra poucos sinais de estreitamento, um desafio para a Casa Branca de Joe Biden como parece a fim de melhorar os laços com a região. A mudança é conduzida, especialmente, pelos recursos ricos da América do Sul. Total comércio com a China. Total comércio com os EUA.

III. O Porto de Chancay

O comércio entre o Peru e a China aumentou para 33 bilhões de dólares em 2022, impulsionado pela demanda chinesa por cobre peruano. Enquanto isso, os investimentos chineses no Peru somam cerca de 24 bilhões de dólares, abrangendo setores como mineração, energia e transporte. As exportações para a China estão crescendo mais rápido do que para os EUA, resultando em um superávit comercial de 9,4 bilhões de dólares com a China e um déficit de 1,3 bilhões de dólares com os EUA. O gráfico abaixo demonstra crescente diferença de números no que tange o comércio Peru-EUA e Peru-China:

Gráfico 3 – Participação chinesa e estadunidense no comercio peruano

Tradução: Peru: EUA vs China. Ao longo da última década a China tem ultrapassado os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Peru, devorando o principal produto de exportação do país, o cobre, e agora consolidando essa liderança.

Parte dos projetos da Belt and Road Initiative, o mega Porto de Chancay no Peru teve sua construção iniciada em 2018, está com a primeira fase da obra prevista para finalização em novembro de 2024, no Distrito de Chancay, a 75 km de Lima. Ele é o exemplo da consolidação da posição chinesa no Peru, considerado um impulso para o livre comércio e novos investimentos chineses. De acordo com a reportagem da Reuters, Xi Jinping está com visita marcada ao país neste mês para o encontro da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), o que pode culminar na inauguração do Porto. O projeto faz parte da Nova Rota da Seda chinesa, contabilizando cerca de 3,6 bilhões de dólares em investimentos totais, com a estatal chinesa Cosco Shipping possuindo 60% de participação no financiamento (Reuters, 2024).

Imagem 1 – Projeto do porto de Chancay

Fonte: BBC, 2023

Acima está o mapa do projeto do megaporto. O objetivo principal da construção é otimizar as exportações peruanas e brasileiras diretamente para a China, visto que o Brasil utiliza o Canal do Panamá ou contorna o Atlântico para que a soja chegue à nação asiática. O embaixador brasileiro no Peru, Clemente Baena Soares chegou a declarar que, além da grande expectativa acerca de não necessitar mais do Canal do Panamá, o Brasil precisará direcionar investimento à – já existente – Autoestrada Interoceânica, que liga o sul do Peru ao Brasil através dos Andes, para melhorar a rota de transporte. O novo porto é a encarnação do desafio que os Estados Unidos e a Europa enfrentam ao tentarem contrariar a influência crescente da China na América Latina. A conexão “Xangai-Chancay” criada pelo megaprojeto é mais um motivo de preocupação aos Estados Unidos, pois além de influência, demonstra o estreitamento cada vez mais forte de laços comerciais de Pequim com os países da América do Sul.

IV. América do Sul: quintal dos EUA?

O secretário de Estado John Kerry fez um discurso sobre a importância da América do Sul, para isso, ele utilizou o termo “backyard”, que significa, em termos práticos, quintal. Kerry disse que a região é o quintal dos Estados Unidos. Entretanto, essa visão não surgiu com Kerry, pelo contrário, ela foi sendo construída de forma sistemática dentro do hegemon. Desde a Doutrina Monroe (1823), que tentou orquestrar uma retórica para expulsar a influência européia do continente americano, com um discurso contrário à colonização e incentivando a independência das nações. Essa Doutrina deu caminho para os 200 anos de contradições impostas pelos Estados Unidos, que, a partir dela, se sentiram “livres” para intervir nos Estados, alegando estarem auxiliando esses Estados a serem independentes e democráticos. Com isso, é necessário relembrar que nesse período havia muitas colônias no continente americano que desejavam a independência e viam os Estados Unidos como uma nação capaz de protegê-los contra os dominadores europeus. Contudo, essa política de proteção logo se tornou uma política expansionista e intervencionista. 

Foi na época da presidência de James K. Polk (1845-1849) que os Estados Unidos começaram sua expanção ao território mexicano, já na época de Rutherford B. Hayes (1877-1881) os Estados Unidos começaram a intervir na América Central e no Caribe. Além de intervirem na independência de Porto Rico e Cuba. Dessa forma, notamos que, historicamente e sistematicamente, através de políticas estadunidenses, foi construindo um cenário de intervenções constantes na região da América Central e na América do Sul, que contribuíram para a visão e a retórica de que esse território é o “quintal” dos Estados Unidos, onde eles conseguem concretizar sua agenda de política externa.

Em 2008, o Council of Foreign Relations escreveu um relatório sobre a direção da política externa estadunidense voltada para a América Latina, nele consta um breve resumo que afirma que: 

“A América Latina nunca foi tão importante para os Estados Unidos. A região é o maior fornecedor estrangeiro de petróleo para os Estados Unidos e um parceiro forte no desenvolvimento de combustíveis alternativos. É um dos parceiros comerciais de crescimento mais rápido dos Estados Unidos, além de ser seu maior fornecedor de drogas ilegais. A América Latina também é a maior fonte de imigrantes para os Estados Unidos, tanto documentados quanto não documentados. Tudo isso reforça os laços profundos dos Estados Unidos com a região – estratégicos, econômicos e culturais – mas também levanta preocupações profundas. O relatório deixa claro que a era dos Estados Unidos como influência dominante na América Latina acabou. Os países da região não apenas se tornaram mais fortes, mas também expandiram suas relações com outros, incluindo China e Índia. A atenção dos Estados Unidos também se voltou para outras áreas nos últimos anos, especialmente para os desafios no Oriente Médio. O resultado é uma região moldando seu futuro muito mais do que moldou seu passado. Ao mesmo tempo em que a América Latina tem feito progressos substanciais, também enfrenta desafios contínuos. A democracia se espalhou, as economias se abriram e as populações se tornaram mais móveis. Mas muitos países têm lutado para reduzir a pobreza e a desigualdade e para garantir a segurança pública.”

Nesse cenário de possíveis mudanças encontra-se esse projeto chinês, o “Belt and Road Initiative”. Portanto, em sua essência, um projeto que tem como efeito aumentar as tensões na região com o hegemon de nosso tempo. Uma das reações da potência foi anunciada pelo próprio Joe Biden, em uma reunião do G20, a qual ele declara a India-Middle East-Europe Economic Corridor (IMEC), uma ideia para contrapor a iniciativa chinesa. Porém, como o próprio nome já indica, essa proposta não está mirando no continente americano. De modo geral, esse plano evidencia que a própria iniciativa chinesa já é vista como uma ameaça para os Estados Unidos, além de ser uma ameaça para as próprias instituições de Bretton Woods, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Pelo menos, no âmbito econômico e, até mesmo, no campo das ideias, já que o próprio Belt and Road Initiative é uma outra forma dos Estados conseguirem investimento e empréstimos, para além das instituições internacionais tradicionais. No entanto, ainda não é possível identificar, especialmente, em sua total amplitude, o quão significativa é essa ameaça, até porque o Belt and Road Initiative ainda está em construção. Ainda assim, esse tema mostra-se essencial de ser ressaltado/investigado de forma mais profunda no mundo acadêmico. 

V. Referências

AQUINO, Marco; JOURDAN, Adam. China widens South America trade highway with Silk Road mega port. 18 jan. de 2024. Reuters. Disponível em: https://www.reuters.com/world/china/china-widens-south-america-trade-highway-with-silk-road-mega-port-2024-01-18/.

BBC. Os 200 anos do plano que transformou América Latina em ‘quintal dos EUA’. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgrp3x22d7wo. Acesso em: 07 de abril de 2024.

BBC. O novo porto chinês no Peru que pode ser porta do Brasil para Pacífico e preocupa EUA. 19 dez. 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyj243xzvnwo.

Centro de Estudios Estratégicos del Ejército del Perú. Megapuerto de Chancay: Repercusiones en el Comercio Sudamericano e Impacto Geoestratégico. 10 mai. 2023. Disponível em: https://ceeep.mil.pe/2023/05/10/megapuerto-de-chancay-repercusiones-en-el-comercio-sudamericano-e-impacto-geoestrategico/.

Centro de Estudios Estratégicos del Ejército del Perú. “Belt and Road” Initiative in Peru: Impact, opportunities and challenges. 25 jan. 2022. Disponível em: https://ceeep.mil.pe/2022/01/25/belt-and-road-initiative-in-peru-impact-opportunities-and-challenges/?lang=en.

Conselho de Relações Exteriores (CFR). U.S.-Latin America Relations: A New Direction for a New Reality. 2008. Disponível em: https://cdn.cfr.org/sites/default/files/report_pdf/TFR%20%2360%20-%20U.S.-Latin%20America%20Relations_A%20New%20Direction%20for%20a%20New%20Reality%20%282008%29.pdf?_gl=1*der0iy*_ga*MTgyMDA4OTUyNC4xNzA5NzQzMzk3*_ga_24W5E70YKH*MTcxMjUyMzY2My4zLjEuMTcxMjUyMzkwNy41Mi4wLjA. Acesso em: 07 de abril de 2024.

EUROPEAN UNIVERSITY INSTITUTE. The Belt and Road Initiative in Latin America: How China Makes Friends and What This Means for the Region. 18 mar. 2022. Disponível em: https://blogs.eui.eu/latin-american-working-group/the-belt-and-road-initiative-in-latin-america-how-china-makes-friends-and-what-this-means-for-the-region/.

JENKINS, Rhys. China’s Belt and Road Initiative in Latin America: What has Changed?. Journal of Current Chinese Affairs. 2022, Vol. 51(1) 13–39. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/epdf/10.1177/18681026211047871.

Ministério das Relações Exteriores da Índia. Parceria para Infraestrutura e Investimento Global (PGII) – Corredor Econômico Índia-Médio Oriente-Europa (IMEC). Disponível em: https://www.mea.gov.in/press-releases.htm?dtl/37091/Partnership_for_Global_Infrastructure_and_Investment_PGII__IndiaMiddle_EastEurope_Economic_Corridor_IMEC. Acesso em: 07 de abril de 2024.

  1. Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: barbarabenetip@gmail.com ↩︎
  2. Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: juliapirani.cabral2001@gmail.com ↩︎

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