Autor: Julia Pirani Cabral1
Data de publicação: 17/09/2024
Revisor: Richard Rodrigues de Souza Silva
II. Introdução
Desde o governo Trump, as relações dos Estados Unidos (EUA) e Taiwan estão tensionadas, apesar da história entre os dois tê-los aproximado, isto é, a partir da fuga do Kuomintang para Taiwan, com apoio estadunidense. Essa tensão está ocorrendo por conta da guerra tecnológica sino-americana, principalmente, pelos semicondutores/chips.
Dessa forma, percebemos Taiwan como um território estratégico para os EUA, já que é um dos locais onde há uma das maiores produções de semicondutores do mundo. Um exemplo disso é a empresa Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), que foi fundada em 1987 por Morris Chang e é conhecida por ter revolucionado o setor com um modelo de fabricação de chips por contrato, focando exclusivamente na produção, enquanto outros projetam os chips. Esse modelo permitiu à TSMC se especializar em produção e ganhar escala, tornando-se líder mundial em semicondutores avançados, responsável por mais de 90% da produção global desses chips.
II. A centralidade de Taiwan na indústria mundial de semicondutores e a reação estadunidense
A combinação de engenheiros talentosos, menores custos de mão-de-obra e um ecossistema tecnológico robusto em Taiwan foram fatores-chave para o sucesso da TSMC, que rivais como Intel e Samsung tentam replicar. Entretanto, essa “dependência” dos EUA perante a indústria de semicondutores taiwanesa está sendo posta em xeque. Um dos momentos em que essa “dependência” foi criticada, ocorreu em uma fala do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o qual afirmou que Taiwan “roubou” a liderança dos EUA na indústria de semicondutores, mas especialistas discordam, dizendo que Taiwan desenvolveu sua própria indústria de chips com trabalho duro, visão e investimento.
Gráfico 1 – Vendas totais de semicondutores nos EUA
Fonte: Alsop, 2018
Trump também sugeriu que Taiwan deveria pagar aos EUA por sua defesa, o que causou desconforto na região. Ao mesmo tempo, a pressão dos EUA para que a TSMC mova parte de sua pesquisa e desenvolvimento para solo americano, juntamente com a recente Lei CHIPS, tem como objetivo reduzir a dependência dos chips taiwaneses e fortalecer a produção doméstica de semicondutores. Contudo, especialistas apontam que a TSMC enfrenta desafios para ajustar suas operações fora de Taiwan devido a diferenças culturais e de leis trabalhistas.
Com isso, em 2024, a TSMC, gigante taiwanesa de chips e fornecedora de empresas como Nvidia e Apple, revelou que discutiu com alguns clientes a possibilidade de mover suas fábricas para fora de Taiwan devido às crescentes tensões com a China. No entanto, o presidente da empresa, C.C. Wei, afirmou que essa mudança seria impossível, já que 80-90% da capacidade de produção da TSMC está localizada em Taiwan.
As tensões entre China e Taiwan aumentaram após exercícios militares chineses em resposta à posse do presidente de Taiwan, Lai Ching-te, que Pequim vê como separatista. Porém, apesar da preocupação com a estabilidade na região, executivos de outras empresas de semicondutores, como Frank Huang, da Powerchip Semiconductor Manufacturing, e Lisa Su, da AMD, reforçaram a importância de Taiwan no ecossistema global de fabricação de chips, essencial para o desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial.
Ademais, a TSMC também teve discussões com a OpenAI, criadora do ChatGPT, sobre o fornecimento de chips de IA. Entretanto, Wei considerou as demandas da OpenAI, que envolviam a construção de cerca de 30 fábricas, como “muito agressivas”, destacando que a TSMC não prevê demanda suficiente para operar tantas fábricas em plena capacidade.
Gráfico 2 – Utilização mensal da capacidade instalada no setor de semicondutores
Fonte: Semiconductor Industry Association, 2022
Diante desse cenário, assistimos em 2024, o governo Biden anunciando um investimento de até US$ 6,6 bilhões para a TSMC, gigante taiwanesa de chips, ampliar a produção em suas instalações no Arizona. Esse financiamento permitirá à TSMC construir uma terceira fábrica de semicondutores no estado, além de duas outras que já estão em andamento. Com isso, o investimento total da TSMC nos EUA aumentará para US$ 65 bilhões.
Essa ação ousada faz parte dos esforços do presidente para incentivar a produção doméstica de semicondutores e reduzir a dependência dos EUA de fornecedores asiáticos, especialmente diante das tensões geopolíticas com a China. A iniciativa está vinculada à Lei de CHIPS e Ciência, sancionada por Biden em 2022, que oferece subsídios para atrair investimentos privados e fortalecer a indústria de chips nos EUA.
Além disso, Biden destacou que esse investimento visa a produção de 20% dos semicondutores de ponta do mundo até 2030, como forma de reforçar a segurança econômica e nacional do país. Adicionalmente, a TSMC está expandindo sua produção global, com fábricas planejadas no Japão e na Alemanha, diversificando suas operações para além de Taiwan. Também há planos de um financiamento semelhante para a Samsung expandir sua produção de chips no Texas, sinalizando o comprometimento dos EUA com o fortalecimento de sua capacidade de fabricação de semicondutores.
Taiwan e Coreia do Sul possuem as capacidades mais avançadas de fabricação de chips, com Taiwan sendo responsável por 75% da produção mundial de chips de última geração. A interrupção dessa indústria, especialmente devido a um possível conflito com a China, afetaria drasticamente setores como eletrônicos, automóveis e telecomunicações, e poderia reduzir o PIB dos EUA em até 8%, o equivalente a US$ 1,6 trilhão, superando os danos causados pela crise financeira de 2008 e pela pandemia de COVID-19.
III. Conclusão
A produção de semicondutores é uma das indústrias mais complexas do mundo, com um grande esquema logístico mundial. A dependência dos EUA e de outros países da Ásia, como Japão, China e Malásia, dos chips taiwaneses torna qualquer interrupção uma ameaça global. Mesmo com os esforços de países como EUA, Japão e União Europeia para construir suas próprias fábricas de semicondutores, a substituição da infraestrutura madura de Taiwan é extremamente difícil, pois a construção de novas fábricas demanda bilhões de dólares e anos para ser concluída.
Apesar disso, como vimos, os EUA têm trabalhado para aumentar sua produção interna, com empresas como TSMC, Intel e Samsung construindo novas fábricas no país. No entanto, essas iniciativas não seriam suficientes para lidar com grandes crises, como outra pandemia global ou uma guerra em Taiwan. Contudo, mesmo com os esforços para reduzir a dependência, a relação estreita entre Taiwan e os EUA em termos de fabricação de semicondutores continua essencial, sendo fundamental apoiar Taiwan para evitar disrupções significativas que poderiam impactar tanto a economia dos EUA quanto a economia global.
Além do que já foi citado, os esforços dos EUA para transferir parte da capacidade de produção de semicondutores da TSMC, maior fabricante mundial de chips, de Taiwan para os EUA têm encontrado resistência, tanto por parte da TSMC quanto de especialistas chineses. O presidente da TSMC, Mark Liu, enfatizou que seria extremamente difícil replicar o que a empresa construiu em Taiwan, sugerindo que a tentativa dos EUA de “esvaziar” a indústria de semicondutores da ilha vai contra a lógica econômica da divisão global do trabalho. Uma outra questão é que a construção da fábrica da TSMC no Arizona tem enfrentado dificuldades, como aumento de 400% nos custos e problemas com mão de obra, resultando no adiamento da operação para 2025. Especialistas chineses, como Xiang Ligang, preveem mais problemas operacionais e consideram que o movimento dos EUA vai falhar, pois tenta reviver uma capacidade de manufatura que os EUA perderam há muito tempo.
Além disso, Ma Jihua, observador de alta tecnologia, vê a estratégia americana como uma tentativa maliciosa de adquirir tecnologia avançada e engenheiros qualificados da TSMC, sem realmente fortalecer o setor de manufatura local. Ele sugere que a TSMC pode estar intencionalmente atrasando o progresso da fábrica nos EUA devido à perspectiva econômica desfavorável dessa empreitada. Um outro fator de extrema importância seria que o Ato CHIPS dos EUA, pode enfraquecer a indústria de semicondutores de Taiwan e, por consequência, a segurança da ilha.
Tainjy Chen e Chang-Tai Hsieh afirmam que o ato, apesar de bem-intencionado, pode acabar causando danos de longo prazo à indústria de Taiwan, enfraquecendo sua economia e segurança. Uma abordagem mais eficaz seria os EUA protegerem sua própria segurança econômica sem comprometer a de Taiwan, fortalecendo operações em países como o Japão, onde os impactos negativos sobre a TSMC seriam menores.
Referências:
CNN. Trump acusa Taiwan de roubar indústria de chips dos EUA, mas especialistas discordam. Disponível em: https://www.cnn.com/2024/07/23/tech/trump-taiwan-tsmc-chips-industry-hnk-intl/index.html. Acesso em: 16 set. 2024.
REUTERS. TSMC diz que discutiu mover fábricas para fora de Taiwan, mas tal movimento é impossível. Disponível em: https://www.reuters.com/technology/tsmc-says-it-has-discussed-moving-fabs-out-taiwan-such-move-impossible-2024-06-04/. Acesso em: 16 set. 2024.
AL JAZEERA. Biden anuncia US$ 6,6 bilhões para a TSMC de Taiwan aumentar a produção de chips nos EUA. Disponível em: https://www.aljazeera.com/economy/2024/4/9/biden-unveils-six-point-six-bn-for-taiwans-tsmc-to-ramp-up-us-chip-production. Acesso em: 16 set. 2024.
HUDSON INSTITUTE. Perder a Taiwan Semiconductor devastaria a economia dos EUA. Disponível em: https://www.hudson.org/technology/losing-taiwan-semiconductor-would-devastate-us-economy-riley-walters. Acesso em: 16 set. 2024.
GLOBAL TIMES. Movimentos dos EUA para esvaziar o setor de chips de Taiwan são malfadados. Disponível em: https://www.globaltimes.cn/page/202308/1295770.shtml. Acesso em: 16 set. 2024.
HSIEH, Chang-Tai; LIN, Burn; SHIH, Chintay. Como a Lei CHIPS dos EUA prejudica Taiwan. Disponível em: https://jordantimes.com/opinion/chang-tai-hsieh-burn-lin-and-chintay-shih/how-americas-chips-act-hurts-taiwan. Acesso em: 16 set. 2024.
- Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: juliapirani.cabral2001@gmail.com ↩︎
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