Autor: Flávio Henrique Rodrigues da Silva1, Francinne Santos Willon2 e Laura Maria Arruda Schanuel Mendes3
Data de publicação: 02/04/2024
Revisor: Júlia Pirani e Richard Rodrigues
I. Produção estadunidense no setor de semicondutores
Os Estados Unidos da América (EUA) têm realizado investimentos bilionários em sua indústria de semicondutores com o objetivo de diminuir a dependência externa, além de tentar conter a influência chinesa em território nacional. É possível observar, nos últimos anos, uma “guerra dos chips” entre EUA e China. Este informa busca trazer atualizações recentes sobre como está o andamento dessa disputa tecnológica entre a potência mundial estadunidense e o gigante asiático e os impactos desta para as economias nacionais e internacionais.
O chip semicondutor nasce a partir das tensões envoltas entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), no período histórico chamado de “Guerra Fria”. A tecnologia dos chips desempenhou papel crucial no desenvolvimento tecnológico, bélico, aeroespacial e de bens de consumo duráveis, possibilitando uma enorme transformação na vida do homem moderno, na fase que ficou marcada como a “década de ouro do capitalismo”. Tal invenção tornou os EUA pioneiros, o que lhes renderam um alto poder de barganha diante os outros Estados que não reproduziram o aparato técnico-científico capaz de desenvolver tal tecnologia, ficando para trás no quesito inovação. Dessa forma, os EUA se estabelecem ainda mais como uma economia pujante, elencada potencialmente pelas suas empresas de tecnologia.
Após o fim da Guerra Fria em 1991, no entanto, que significou o fim da bipolaridade internacional, o mundo passou por uma grande transformação nas áreas de geopolítica, economia e política, trazendo novos atores para compor uma nova ordem mundial multipolar. Então, países como Japão, Coreia Do Sul, Taiwan, China e Malásia passaram a crescer significativamente em termos de desenvolvimento tecnológico, o que significou certa ameaça ao destaque absoluto apresentado até então pelos Estados Unidos, já que o país passou a contar com o crescimento exponencial de competidores. Na movimentação de manter sua influência e liderança na produção, pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, o país norte-americano, nos últimos anos, usa de estratégias diplomáticas em uma política de “boa vizinhança” com aliados a fim de salvaguardar seus interesses, delimitar seus objetivos e difundir sua legitimidade, especialmente nesse setor produtivo.
II. Competição tecnológica com a China
Na virada do milênio, a supremacia estadunidense começa a ser ameaçada pelo país que dez anos antes pensaria-se como impossível de realizar tal feito: a China. Por conta dos longos anos que seriam necessários e investidos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o país asiático já era fruto dos Planos Quinquenais desenvolvidos por Deng Xiaoping a partir de 1978. A China passou a crescer de forma veemente e o seu principal combustível foram os produtos baseados em tecnologia. Nesse sentido, os chips semicondutores se tornaram peça-chave como forma de exercício de poder, em que se leva em conta que, quando uma nação se tem expertise no desenvolvimento e produção de um chip, esta agrega a si mesma um forte aparato tecnológico e produtivo, permitindo o uso de tal tecnologia em produtos de alto valor agregado.
Diante de tal ótica, a partir dos anos 2010, a China transformou-se no maior competidor na área de exportação de produtos tecnológicos manufaturados, fazendo frente aos EUA que passaram a temer ainda mais o poderio econômico chinês. Todavia, a narrativa adotada pelos norte-americanos aponta que a China fabrica e comercializa produtos tecnológicos com design industrial estadunidense, ou seja, a manufatura é chinesa porém o desenvolvimento tecnológico era americano. Este fator envolve disputas quanto à propriedade intelectual.
Os dois países seguiram sendo a primeira (EUA) e a segunda (RPC) economias globais de maior destaque até o ano de 2018. Neste período, o presidente dos Estados Unidos da época, Donald Trump, criou uma série de medidas para assegurar a economia do seu país frente à China, especialmente no âmbito comercial. Foram aplicadas uma série de sanções econômicas, o que provocou forte turbulência nas empresas chinesas que fabricam semicondutores, como a Hsilicon, braço da Huawei na produção de chips, e a Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC), sendo essa a maior produtora estatal de chips em solo chinês. Tais medidas econômicas causaram desequilíbrio na produção e autonomia chinesas em P&D e autossuficiência no que tange a produção de chips, ficando um passo atrás em relação aos Estados Unidos.
III. A resposta estadunidense: A lei “Chips and Science act” de 2022
Continuamente, a conduta protecionista que os Estados Unidos vêm adotando nos últimos anos trouxe ainda mais a ideia de que serão evitadas as relações comerciais com os países asiáticos, sendo a Lei CHIPS e Ciência, de julho de 2022, um exemplo de uma ação tomada pelos EUA que demonstra essa preferência de parceiros comerciais. Essa lei tem como objetivo retomar a produção de semicondutores e tirar o atual foco dessa produção na Ásia, através de inúmeros investimentos (como os aqui citados) e incentivos, que atrairiam os principais fabricantes de semicondutores.
Desde que a lei CHIPS foi anunciada no Congresso Nacional dos EUA, já foram realizados mais de $250 bilhões de investimentos privados em 22 estados, o que projetou a criação de 45 mil empregos, além de outras centenas de suporte para outras áreas, fomentando a economia estadunidense. O plano de investimento inicial da lei CHIPS nos EUA, em meados de 2020, era de US$54,2 bilhões, como mostra o gráfico abaixo. Atualmente, o valor investido já é cinco vezes maior do que o projeto inicial, o que gera reflexos positivos na economia norte-americana em investimentos, emprego e renda nacional.
Infográfico 1 – Plano de investimento do Chips & Science Act
IV. Alta competição internacional na produção de semicondutores
É possível, no entanto, que há um declínio constante dos Estados Unidos na produção de semicondutores desde o ano 2000, dado que contrasta com as últimas movimentações políticas, que, de acordo com Semiconductor Industry Association, aumentaram-se, desde 2020, o número de novos projetos tecnológicos, o número de expansão de instalações no país, bem como o esforço de pesquisa em desenvolvimento, design de chips, fabricação de semicondutores e equipamentos de fabricação e suprimentos. A queda da presença estadunidense no mercado de semicondutores, que já decaia em 19% em 2000, caiu somente para 12% no ano de 2020, no entanto. É difícil ter uma noção completa dos resultados provenientes da Lei dos CHIPS, já que sua aplicação é muito recente. Porém, é válido dizer que o controle realizado nas exportações dos Estados Unidos com relação a esses semicondutores afetaram completamente a indústria, tendo em vista que limitou, de certa forma, a fabricação chinesa, sua principal competidora.
Essa indústria teve Taiwan como sua principal nação produtora em tempos recentes, e a China, nos últimos anos, tem se empenhado em aumentar sua posição dentro dessa “corrida”. Os Estados Unidos e a Lei dos CHIPS precisam enfrentar alguns fatores que dificultam, de certa maneira, que o país se torne o principal e mais importante produtor da cadeia global atual, tendo em vista, por exemplo, que para serem produzidos nos EUA, os custos seriam pelo menos 50% maiores. Isso é observado quando se leva em consideração as leis trabalhistas diferenciadas entre Taiwan (o maior produtor) e os Estados Unidos, como foi dito pelo ex-presidente e CEO da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), desconsiderando esse mesmo fator na China.
Imagem 1 – Desempenho nacional na produção de Chips semicondutores
Fonte: Citi group, 2024
(Lado esquerdo: “A grande corrida do Chip” – Taiwan lidera a corrida pela produção global de semicondutores. A Coreia do Sul é o próximo competidor, com atraso de seis meses, e os EUA estão há dois anos atrasados. Lado direito: “A diminuição da quota de Taiwan” – Na medida em que outros países entram no mercado de semicondutores, a quota de Taiwan na fundição avançada mundial é projetada a declinar de 88% para 74% nos próximos cinco anos, e para 70% no ano de 2033.)
É visível que o investimento estadunidense é uma resposta a essa concentração regional no fornecimento de semicondutores e, por isso, é importante pensar em respostas à Lei dos CHIPS. A União Européia, Taiwan, Coreia do Sul e Japão já “atualizaram” seus próprios programas. Em 2022, foi lançada a Lei Europeia dos Chips. Já em 2023, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company iniciou planos de construir uma fábrica de US$11 bilhões na Alemanha. O Reino Unido também anunciou a sua própria resposta, um programa de 20 anos para a sua indústria de semicondutores, uma reação à noção de que não teria subsídios o suficiente para competir com os EUA e as outras empresas europeias e asiáticas. Esse movimento global na produção de semicondutores preocupa os envolvidos de uma possível excessividade de produção e queda nos preços dos semicondutores. Dessa forma, é possível interpretar como uma solução estadunidense para essas questões a “Lei de Redução da Inflação”, também aprovada em 2022, que concede benefícios aos compradores de carros elétricos montados nos Estados Unidos. Essa realidade — além da exigência indireta dos EUA, com a Lei CHIPS, da redução da presença chinesa na cadeias de abastecimento (o maior fornecedor de silício) — revela uma ameaça aos produtores asiáticos.
V. Referências
GUERRA dos chips: por que os semicondutores bloqueiam a relação entre Estados Unidos e China. Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/630320-guerra-dos-chips-por-que-os-semicondutores-bloqueiam-a-relacao-entre-estados-unidos-e-china. Acesso em: 17 de março de 2024.
MILLER, chris. Guerra dos chips: A luta pela tecnologia que move o mundo. são paulo: techbooks 2020.
LOVELY, Mary. US CHIPS Act threatens to hollow out Asian semiconductor industry. EASTASIAFORUM. 26 nov. de 2023. Disponível em: https://eastasiaforum.org/2023/11/26/us-chips-act-threatens-to-hollow-out-asian-semiconductor-industry/. Acesso em: 16 de Março de 2024
PRESIDENT Biden Highlights Importance of Strong U.S. Semiconductor Supply Chains During State of the Union Address. Semiconductor Industry Association. 7 mar. de 2024. Disponível em: https://www.semiconductors.org/president-biden-highlights-importance-of-strong-u-s-semiconductor-supply-chains-during-state-of-the-union-address/. Acesso em: 15 de Março de 2024THE U.S.-China Chip War: Who Dares to Win?. Citi Group. 2 jan. de 2024. Disponível em: https://www.citigroup.com/global/insights/global-insights/the-u-s-china-chip-war-who-dares-to-win. Acesso em: 16 de Março de 2024
- Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: flavio.da@ufu.br ↩︎
- Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato: francinne.willon@outlook.com. ↩︎
- Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato do autor: lauramariaschanuel@gmail.com ↩︎
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Sensacional!!! 👏🏻