Autor: Débora Suéllen Severiano de Freitas1

Data de publicação: 18/08/2024

Revisores: Richard Rodrigues e Laura Schanuel

Desde o início da guerra na Ucrânia em 2022, a aproximação entre China e Rússia tem se intensificado de forma significativa. Esse movimento foi impulsionado pelas sanções econômicas do Ocidente e pelo isolamento internacional imposto à Rússia em resposta à sua invasão à Ucrânia. Assim, a crescente colaboração entre Pequim e Moscou é evidenciada por diversos fatores, incluindo o aumento das transações comerciais bilaterais, o fortalecimento da influência chinesa na Ásia Central e as implicações para a dinâmica de poder na região, especialmente em relação à questão de Taiwan.

I – Contexto Histórico das Relações Sino-Russas

Historicamente, as relações entre China e Rússia têm sido complexas, caracterizadas por períodos de rivalidade e cooperação. Durante a Guerra Fria, inicialmente ambos os países eram aliados, mas divergências ideológicas levaram a tensões significativas que resultaram no rompimento sino-soviético em fins da década de 1960. No entanto, após o colapso da União Soviética, a Rússia e a China voltaram a reaproximar suas relações diplomáticas e comerciais – em parte motivadas pelo desejo de contrabalançar a influência ocidental na região – com a solidificação dessa parceria ocorrendo com a assinatura do Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação em 2001.


A ascensão da China como uma potência econômica global e a recuperação da Rússia sob a liderança de Vladimir Putin resultou em um estreitamento de laços entre os dois países, havendo, pelo menos em partes, um compartilhamento de objetivos políticos e econômicos entre Moscou e Pequim. Em função disso, a cooperação em áreas como energia, defesa e comércio tem se aprofundado ao longo dos anos, preparando o terreno para a aliança que se intensificou com o advento da guerra na Ucrânia.

II – O Impacto da Guerra na Ucrânia

A guerra na Ucrânia atuou como um catalisador para a cooperação sino-russa. As sanções econômicas impostas à Rússia, que resultaram na exclusão do país de mercados financeiros ocidentais e na limitação do comércio, forçaram Moscou a buscar novos parceiros comerciais. A China, por sua vez, estava pronta para aproveitar essa oportunidade. De acordo com a CNN Brasil, a China viu um aumento substancial nas transações comerciais com a Rússia, tornando-se o principal fornecedor de automóveis, roupas e matérias-primas para Moscou.


O comércio bilateral entre os países atingiu um valor recorde de 190 bilhões de dólares em 2022, representando um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Em 2023, esse número continuou a crescer, alcançando 240 bilhões de dólares. Este crescimento pode ser observado no gráfico abaixo, que ilustra a evolução das transações comerciais ao longo dos anos:

Comércio bilateral entre Rússia e China (em bilhões de dólares)

Fonte: Whang (2023). Elaboração própria

Esse panorama agravou a dependência da Rússia, em relação à China, para a exportação de seus recursos naturais, como petróleo e gás natural. A China, por outro lado, com suas vastas reservas financeiras, tornou-se o principal comprador de produtos russos, garantindo acesso a matérias-primas tão vitais à sua economia industrial.

III – Fortalecimento da Influência Chinesa na Ásia Central
A somatória da crescente dependência comercial russa com a economia chinesa e diminuição da capacidade de atuação de Moscou fora de teatros geopolíticos que não estejam envolvidos diretamente na Guerra da Ucrânia, já resulta em um aumento da influência chinesa em regiões consideradas vitais para o interesse nacional russo.


A Ásia Central, historicamente considerada uma área de influência russa, tem se tornado um ponto focal da competição geopolítica entre China e Rússia. A localização estratégica da região, com suas vastas reservas energéticas, a torna um alvo atrativo para a China, que busca diversificar suas fontes de energia e expandir sua influência econômica.


A Iniciativa Belt and Road (Nova Rota da Seda) é um exemplo claro do papel crescente da China na Ásia Central, que remonta antes mesmo da deflagração da Guerra da Ucrânia. Lançada em 2013, essa iniciativa visa conectar a China a diversas regiões do mundo através de uma extensa rede de comércio, investimentos e infraestrutura, facilitando o comércio chinês não só com a Ásia Central, mas também na Europa, no Oriente Médio e na África.


O conflito na Ucrânia teve consequências significativas para a posição da Rússia na região, gerando um enfraquecimento do poder projetado pelos russos na Ásia Central, abrindo espaço para a expansão da influência chinesa. Pequim tem aprofundado seus laços econômicos e políticos com os países da região, o que fortalece sua posição como potência regional. Além disso, a expansão chinesa na Ásia Central permite à China diversificar seus parceiros energéticos, garantindo acesso a recursos essenciais para seu crescimento econômico, tornando, inclusive, o país menos dependente do comércio bilateral com a Rússia em commodities energéticas.


A prioridade de Vladimir Putin, desde a invasão da Ucrânia, tem sido realizar investimentos na economia de guerra do seu país, desviando atenção e recursos de outras áreas. Agregado a isso, as sanções econômicas e a guerra dificultam o acesso da Rússia a tecnologias e investimentos estrangeiros, prejudicando sua capacidade de oferecer benefícios econômicos aos parceiros na Ásia Central e de influenciar os acontecimentos na região.

IV – Consequências para a Estrutura de Poder na Ásia
Assim, a crescente colaboração entre China e Rússia pode ter consequências profundas para a estrutura de poder na Ásia, não só enfraquecendo a liberdade de ação russa, como também por gerar um maior espectro de possibilidade de ações da China. Soma-se a isso que a formação de um bloco mais coeso entre Pequim e Moscou dois desafia a influência ocidental na região e pode levar a uma nova configuração geopolítica na Ásia.


A percepção de uma aliança sino-russa forte e coesa pode alterar a dinâmica da disputa entre China e Taiwan. Com o fortalecimento de sua posição na Ásia Central e o crescente apoio russo, a China pode se sentir mais confiante para realizar ações mais assertivas em relação a Taiwan e o restante sudeste asiático, aumentando potencialmente as tensões na região. Essa aliança pode levar a uma reavaliação das estratégias de defesa por parte de países vizinhos e aliados ocidentais, com estes buscando criar um novo equilíbrio de poder favorável ao ocidente na Ásia.


A aproximação entre China e Rússia também é observada com cautela por outros atores internacionais, incluindo os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia. Os Estados Unidos têm expressado preocupações sobre a crescente cooperação entre os dois países e a possibilidade de um bloco sino-russo desafiando a ordem internacional estabelecida.


A União Europeia, por sua vez, está atenta ao aumento das transações comerciais entre China e Rússia, especialmente no contexto das sanções. A relação mais próxima entre os dois países inibe os esforços da UE para isolar a Rússia economica e politicamente. A Índia, apesar de ter uma parceria estratégica em temáticas comerciais e securitárias com a Rússia, tem buscado equilibrar suas relações com a China e o Ocidente, dada a crescente influência chinesa na região. Essa dinâmica pode influenciar as estratégias de defesa e os alinhamentos geopolíticos na Ásia.

V – Implicações Finais
A aproximação entre China e Rússia, acelerada pela guerra na Ucrânia, representa uma mudança significativa na dinâmica geopolítica da Ásia. O aumento das transações comerciais, o fortalecimento da influência chinesa na Ásia Central e as implicações para a estrutura de poder na região são elementos que moldam essa nova realidade. A aliança sino-russa não apenas desafia a hegemonia ocidental, mas também tem o potencial de criar um novo equilíbrio de poder na Ásia. À medida que ambos os países buscam um sistema internacional multipolar, as consequências dessa relação se estenderão além das fronteiras da Ásia, afetando a ordem global.


Com a formação de um bloco sino-russo mais coeso, a dinâmica de poder na Ásia está em transformação e as tensões em relação a Taiwan podem aumentar. A resposta de outros atores internacionais, como os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia, será crucial para moldar o futuro dessa relação e suas implicações globais.

IV. Referências
BRAUN, Julia. BBC NEWS BRASIL. China e Rússia: principais dados comerciais de 2023. BBC News Brasil, 27 jan. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1dxekp22peo. Acesso em: 18 ago. 2024.

WHANG. Philip. CNN BRASIL. China vê aumento comercial com a Rússia em 2023, mostram dados da alfândega chinesa. CNN Brasil, 11 ago. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/china-ve-aumento-comercial-com-a-russia-em-2023-mostram-dados-da-alfandega-chinesa/. Acesso em: 18 ago. 2024.

REUTERS. China-Rússia: valor do comércio atinge recorde de US$ 240 bilhões em 2023. Reuters, 12 jan. 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/markets/china-russia-2023-trade-value-hits-record-high-240-bln-chinese-customs-2024-01-12/#:~:text=China%2DRussia%20dollar%2Ddenominated%20trade,China’s%20General%20Administration%20of%20Customs. Acesso em: 18 ago. 2024.

ACESSA.COM. China recebe líderes da Ásia Central para ocupar vácuo deixado pela Rússia. Acessa.com, 5 mai. 2023. Disponível em: https://www.acessa.com/mundo/2023/05/148588-china-recebe-lideres-da-asia-central-para-ocupar-vacuo-deixado-pela-russia.html. Acesso em: 18 ago. 2024.

CHINA.ORG.BR. A grande estratégia chinesa: resultados da cúpula China-Ásia Central e o reordenamento eurasiático. China.org.br, 23 jun. 2023. Disponível em: https://china.org.br/a-grande-estrategia-chinesa-resultados-da-cupula-china-asia-central-e-o-reordenamento-eurasiatico/. Acesso em: 18 ago. 2024.


  1. Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato: deborasuellenf@gmail.com ↩︎

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