Autor: Maria Eduarda Maia dos Reis1
Data de publicação: 16/04/2024
Revisores: Richard Rodrigues e Mell Monteiro
I. Estagnação econômica da Europa
Desde a pandemia de covid-19 a economia europeia não conseguiu se restabelecer e tal situação apenas se agravou com o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia em 2022. A guerra entre essas duas nações acarretou um aumento nos preços da energia elétrica em toda a Europa, isso se dá por conta da dependência energética que o continente possui com os russos. O início dessa dependência se deu ainda na União Soviética, quando Moscou buscava por um mercado energético e os europeus queriam se desvincular do Oriente Médio, visto que o transporte por meio de navios era considerado instável. Sendo assim, o petróleo e gás russos, podendo ser fornecidos a partir de gasodutos, era uma alternativa viável e a Europa considerava que, sendo os maiores compradores, teriam um poder de barganha, não seriam necessariamente submissos à Rússia, o que não aconteceu.
Imagem 1 – Mapa sobre a dependência europeia do gás russo
Fonte: Fundo Monetário Internacional (2022).
No entanto, a Guerra na Ucrânia apresentou uma necessidade da transição energética europeia quando a Rússia passou a ameaçar realizar cortes no fornecimento de gás para o restante da Europa, mas os custos para isso ocorrer serão altos. O primeiro aspecto é que as metas da redução de gases de efeito estufa ficaram para segundo plano, muitos países estão voltando a gerar energia através do carvão. Outra possibilidade estão sendo os investimentos em usinas nucleares e a exportação de GNL (gás natural liquefeito) dos Estados Unidos. Embora, todas essas alternativas sejam viáveis, elas possuem altos custos, principalmente em investimentos nas usinas nucleares e terminais do gás liquefeito, o que faz a economia europeia estagnar por mais tempo, visto que ao lidar com a crise energética é necessária a realocação de recursos.
Um estudo realizado pelo Banco Nacional Suíço em 2023 mostrou que desde o início do conflito Rússia-Ucrânia, a economia europeia vem retraindo e acarretando um aumento inflacionário em todo o continente, em suma nos preços da energia. Isso pode ser visto, conforme disposto no gráfico 1, como a Guerra da Ucrania afetou o processo de recuperação desses países da crise sanitária do Covid-19.
Gráfico 1 – Desempenho econômico nas principais economias europeias
Fonte:Banco Mundial (2024). Elaboração própria.
Afora a perda do crescimento potencial do Produto Interno Bruto (PIB), como visto no gráfico 1, fruto da perca do dinamismo das atividades produtivas e de serviços no continente, outros mercados também sofreram sérias instabilidades, como o financeiro. Dentre estes, os piores impactos para o continente europeu está a queda na produção e o aumento nos preços repassados para os consumidores, o que acaba por agravar a dinâmica inflacionária na região, como poder ser observado, a seguir, no gráfico 2.
Gráfico 2 – Índices de inflação nas principais economias europeias
Fonte: Banco Mundial (2024). Elaboração própria.
Essa análise realizada na Suíça, e corroborada pelos dados do Banco Mundial, ainda afirma que os efeitos negativos tendem a piorar a médio e longo prazo caso a guerra continue. Além disso, há o fator dos refugiados e aumento com gastos militares, o primeiro aspecto gera gastos a curto prazo com alimentação, alojamento, saúde e educação, mas a longo prazo a tendência é que não sejam significantes levando em consideração o retorno ao país e a possibilidade de integração no mercado de trabalho. Já o segundo ponto é que o aumento com defesa em tempos de guerra é considerável e logo após a eclosão do conflito a União Europeia (EU) liberou de imediato €500 milhões de um pacote de assistência militar para a Ucrânia. Além disso, países europeus passaram a aumentar os gastos orçamentários relativos aos seus respectivos ministérios da defesa.
Ao levar em consideração todos os aspectos citados acima, desde a dependência energética até ao aumento de gastos com refugiados e defesa, demonstra porque a economia europeia está sofrendo esse desaquecimento e demorando para se recuperar da pandemia de Covid-19, que já havia deixado em uma situação complicada a UE. Principalmente, sua maior economia, a Alemanha, que teve seu PIB sofrendo retração no ano de 2023, levando em conta a enorme dependência do gás e petróleo russo somado aos cortes em investimentos estrangeiros diretos desde 2022, esse país vem sofrendo um processo de desindustrialização. O que afeta diretamente toda a União Europeia, por se tratar da maior força no bloco.
II. Desafios econômicas para as empresas europeias
Ao apresentar todas as dificuldades econômicas que a Europa vem sofrendo no tópico anterior, torna-se necessário apresentar como ficam as empresas europeias em meio a toda essa situação. Desde o início do conflito muito se é cobrado de empresas, principalmente privadas, que haja sanções contra a Rússia devido ao ataque aos ucranianos, no entanto, todas as empresas que realizaram essas “punições” acabaram tendo perdas multimilionárias.
Dentre essas organizações, as que mais perderam foram as energéticas, devido à diminuição ou encerramento de suas relações com corporações russas do setor petrolífero e energético, resultando na perda de uma parte significativa de seus compradores ou fornecedores. Tal fato levou essas companhias europeias a buscarem por novas alternativas na produção de energia, exigindo grandes investimentos nessa área, além da necessidade de encontrar novos fornecedores. Devido à incerteza nesses mercados por conta do conflito, houve uma grande volatilidade nos preços. Estima-se que o prejuízo de contratos foi em torno de €40,6 bilhões, alguns dos principais nomes afetados nesse meio são a BP, a Shell e a TotalEnergies que acabaram sendo atingidas pelo aumento nos preços do petróleo e gás decorrentes dos cortes de fornecimento russos.
É importante ressaltar que não foram apenas as companhias energéticas que sofreram perdas, os serviços públicos tiveram um impacto de 14,7 bilhões de euros, e as indústrias de modo geral, dentre elas os fabricantes de carros, deixaram de ganhar 13,6 bilhões de euros e as corporações financeiras como bancos, seguradoras e empresas de investimento lucraram €17,5 bilhões a menos. Contudo, a Financial Times explica que mais de 50% das empresas europeias que atuavam na Rússia antes do confronto militar continuam no país e, segundo o FMI empresas como a italiana UniCredit, a austríaca Raiffeisen, a suíça Nestlé e a inglesa Unilever cresceram 1,5% em 2023.
Ainda assim, muitos países perderam muito e os que mais sofreram as consequências foram a Grã-Bretanha, a França, a Itália, a Irlanda e a Dinamarca. Outro aspecto importante é que toda a União Europeia está sofrendo com sua produção industrial diminuindo, segundo a agência de estatísticas da UE, a queda foi de 1,3% nesse setor entre fevereiro de 2022 e março de 2023. Sendo o declínio mais considerável na Alemanha, pois era a energia russa que abastecia suas indústrias.
III. Produtos agrícolas ucranianos e as tensões na União Europeia
Demonstrada as dificuldades econômicas dentro da Europa, é necessário apresentar outro problema decorrente de fatores econômicos e da guerra, sendo eles os grãos e oleaginosas exportados pela Ucrânia. Toda essa situação tem seu início quando a Rússia em julho de 2023, saiu de um acordo que permitia que os grãos ucranianos continuassem a embarcar em segurança nos portos do país no Mar Negro. Um adendo importante é que juntas a Rússia e a Ucrânia representam um terço da produção de trigo e cevada do mundo, tendo o conflito em si, acarretado um aumento nos preços em escala mundial devido à falta desses produtos. Contudo, com esse bloqueio nos portos a Ucrânia precisou recorrer a rotas terrestres de comércio, sendo a principal delas países membros da União Europeia.
O maior problema decorrente desse caso é que a UE isentou esses grãos de taxas alfandegárias, tornando o produto ucraniano mais barato que os locais, tendo início então uma cobrança dos agricultores locais que estavam sentindo-se lesados. Dentre os países mais afetados com a situação estavam a Bulgária, a Hungria, a Polônia, a Romênia e a Eslováquia, em uma tentativa de evitar que esses Estados-Membros fossem prejudicados a UE autorizou em maio de 2023 uma proibição da venda doméstica do milho, trigo e oleaginosas da Ucrânia. Esse impedimento inicialmente iria até o dia 5 de julho, mas acabou sendo prorrogado por pressão desses cinco países até 15 de setembro. O acordo era de que a venda estava proibida, porém o trânsito para a exportação deveria continuar. Ao chegar ao fim dessa restrição comercial a Polônia, a Eslováquia e a Hungria optaram por violar a legislação da UE e manter de forma unilateral essa interdição, isso se deu, pois, a maioria dessas nações estavam em períodos eleitorais e resolveram tomar partido dos seus produtores locais e suas economias, visando as reeleições.
Mesmo em 2024, tal conflito entre os países do leste europeu e a Ucrânia não teve fim, em fevereiro deste ano, agricultores poloneses em forma de protesto destruíram uma carga ucraniana com cerca de 160 toneladas em uma das suas estações ferroviárias. Os protestos são baseados em uma concorrência desleal devido a suspensão dos impostos sobre os grãos da Ucrânia. Além dos agricultores europeus terem que se submeterem às regulamentações ambientais da UE e a competição com esses grãos concorrentes que antes quase não existiam dentro da Europa, passando a ocorrer com o bloqueio dos portos da Ucrânia.
IV. Incoerência europeia frente a Guerra da Ucrânia
Por fim, é perceptível observar que o conflito Rússia-Ucrânia está trazendo sérias desavenças dentro da Europa, levando até a um aumento da xenofobia decorrente dessa competição de grãos. Contudo, a UE ainda se mostra apoiadora dos ucranianos e em 2023 aceitou abrir as negociações para a adesão da Ucrânia ao bloco, mas não foi uma decisão consensual. A União Europeia ao invés de mostrar uma frente unida diante desse conflito que tanto está afetando o continente, precisou que o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, se reunissem com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, para convencê-lo a não vetar a proposta. Após muita discussão e a decisão de Orbán vetar, o chanceler alemão precisou dar a sugestão de que ele se ausentasse da sala para não precisar votar e ainda sim, ele só fez isso após a UE liberar para a Hungria um financiamento de 10,2 bilhões de euros.
Mas ainda assim, após o anúncio das negociações com a Ucrânia, o primeiro-ministro fez questão de deixar claro seu posicionamento contra e declarou ser “uma decisão completamente sem sentido, irracional e incorreta […] A Hungria não mudará sua posição.”. Mesmo após permitir essa situação, quando foi posto em voto um pacote de ajuda multimilionário para Kiev, Orbán optou por vetar.
Diante de todo esse caso, pode-se concluir que está havendo uma falta de coesão das decisões da União Europeia, que como o bloco que é, deveria mostrar-se como uma frente unida e com consenso perante o conflito. Sendo então necessário que passem a se unir e agir de forma condizente para garantirem a segurança e prosperidade do continente europeu, a fim de que a guerra chegue ao fim e pare de trazer tantas consequências danosas à Europa como foi possível observar ao longo do texto.
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- Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail de contato da autora: mariaed.maia21@gmail.com ↩︎
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